sábado, 5 de outubro de 2013

Poesia - A reeditar o tropeirísmo

No bimbalhar dos cincerros
Como um clarim ao relento
Deu ênfase e deu andamento
A sobejidão das tropeadas.
Nas rondas, nas arribadas
qual um rondante aflito
A emitir estridentes gritos
Em esplêndidas madrugadas.

Hoje em tropeadas de sonhos
Onde a forja do tempo tempera
Em homenagens sinceras
Por façanhas imortais
A retornar-se jamais
Ao longo de algumas trilhas
Sobre o dorso das coxilhas
Por serras e por matagais.

Quem diria que o tropeiro
De maneira tão crucial
Dormiu até em lamaçal
Ao longo dos descampados
Sem ter seu nome lembrado
Mesmo em súbitos momentos
A morrer no esquecimento
E não ser condecorado.

Das manhãs primaveris
Às tépidas tardes setembrinas
Emoldurou-se as campinas
Até as caravanas de abril.
Fez bem mais forte o Brasil
Sem empecilho ou cancela
Deu-nos alicerce e rumo
Serviu de base e aprumo
À pátria verde e amarela.

Cristóvão Pereira Abreu
Foi um tropeiro completo
Usando o mesmo dialeto
Com inteligência e brilhantismo
Foi o precursor do tropeirismo
Sem precisar de balizas
Pra desbravar o sertão
Quando a partir de então
A marcha se concretiza.

As antigas taipas de pedras
Erguidas entre o rochedo
Pra história não há segredo
Serve de pompa ou ostentação
Dando-nos nítida impressão
Que Deus as criou soberanas
Entre o deserto e choupanas
Neste aparato de emoções
Sem geometria ou divisórias
Delineando nossa trajetória
Pra futuras gerações.

Sob o esplendor das colinas
Surgem paisagens tão belas
Por entre sonhos e aquarelas
A própria emoção nos conduz
Como um candeeiro de luz
No colorir de arrebol
Na configuração, âncora e farol
Em um elo de amor e carinho
Nos faz traçar um só caminho
A iluminar nossos destinos
Sendo ela neta do biriva Justino
Outro sim, eu neto do tropeiro sinhozinho.

Bravos birivas matutos
Intrépidos gaúchos da pampa
Onde figuras se estampa
Onde culturas se ermana
Como a buscar das cabanas
Sem discernimento ou critério
A unir-se o peão xucro e gaudério
A intrepidez de outros cueras
Gente que tanto se esmera
Junto a estes povos que canta
Que unidos se agiganta
Numa nação que prospera.

A proferir minha prece
Vou pedir ao bom pastor
Para um dia quando me for
Eu leve em meus aconchegos
Cama com poncho e pelegos
Prenda linda e chimarrão
No final desta oração
São esses os anseios meus
Onde minha alma se acampa
Que os intrépidos gaúchos da pampa
E matutos peões birivas
Repontem bem suas comitivas
Lá em cima, aos pés de Deus.
                  
 Miguel Arnildo Gomes.
                            (Vô Miguel)


História - Baú Rememorativo

Cavalo bem encilhado, dois grandes pelegos brancos, badana couro de Pardo, peitoral de duplos e resistentes couros de Anta, cabeçada, cabresto e par de rédeas chatas produzidas também a partir da pele de Tapir, e laço amarrado nos tentos. Ao chegar, amarrou seu pingo com o cabresto do buçal sobre a forquilha da velha Aroeira, que fazia sombra ao portão de tabuas do piquete dos terneiros. Boleou a perna e em passos largos aproximou-se do rancho.
Da varanda da velha casa de madeira, com também cobertura em tabuinhas de pinheiro, Hipólito e Mariazinha, podiam observar o homem ir se aproximando. Chapéu de abas largas quebrado na testa, sobre o pescoço lenço vermelho, além de bombacha, botas e tirador de couro de Pardo, com longos flecos amarrado a cintura, bem a estilo dos campeiros da época. Sobrando, se podia ver sob a bainha, a Adaga em cabo de chifre, com folha de mais ou menos palmo e meio, que pela aparência deveria ser da marca Coqueiro. Vinha arrastando as esporas, ao chegar, tirar o chapéu e emitir um leve sorriso. Pronunciou apenas um educadamente “Buenos dias”, quando o proprietário senhor João, ao responder o cumprimento ainda solicitou, “Te aprochegue seu”, “puxe o banco e permaneça à vontade”. Após algumas cuias de mate, ampla refeição de arroz e feijão com charque, além de mandiocas fritas, seguidas de leite com coscos. A seguir, senhor João aperou cuidadosamente seu cavalo, montou e saiu ao tranco, ao lado do recém chegado, conversando moderadamente, pois era ele pessoa um tanto esclarecida, que apesar de interiorano, costumava fazer inveja a muitos indivíduos do povoado. Talvez pela postura e maneira fácil como que se comunicava. Quando constantemente, procurava viver bem informado, de tudo o que ocorria em seu mundo, bem como em além fronteiras, sendo assinante de um dos mais tradicionais e conceituados jornais do estado. Quando estes vindos da capital, conseguiam chegar ao destino, até com dois dias de atraso, quando o senhor João ordenava a um guri, ao atravessar o rio através da Balsa, para retirar edições, que a ser transportadas por ônibus de linha, eram deixadas na venda do senhor Raimundo Scherer. Em casa, Hipólito e Mariazinha, se mostravam por demais impressionados com a estampa do campeiro que chegou, almoçou e depois seguindo a tranquito, sumiu-se na poeira ao longo da estrada. Ainda comentavam-se entre ambos, sobre a beleza do cachorro de cor parda e rabo enrodilhado, que também com certa desenvoltura, troteava a sombra do cavalo, na medida do possível procurando proteger-se dos reflexos danosos dos raios solares. Hipólito e Mariazinha, com suas mentes repletas de curiosidades, perguntavam então para sua mãe, senhora Marta: “Mamãe, quem é aquele homem que chegou, chimarreou, almoçou e depois saiu ao lado de papai? E para onde foram?”
Dona Marta, procurando a satisfazer a curiosidade das crianças, respondeu: “Este homem, meus filhos, tratasse de negro Henrique, que é filho de tio Emilio, que foi escravo de um irmão de meu avô”.
Hipólito, não sentindo-se totalmente esclarecido, procurando saber algo que tornasse mais convincente, já com alguma insistência voltou a indagar: “Mas para onde foram? E o que fazer?”.
Dona Marta, sempre atenta à curiosidade dos filhos, voltou a fazer-se compreender, fazendo ponderações de maneira um tanto mais esclarecedora: “Pois ainda ontem, o papai de vocês comprou mais uma vaca para nós tirarmos leite, e hoje resolveu convidar este crioulo, para ajudá-lo a buscar, quando a mesma se encontra na invernada do senhor Forquini, em São João do Gramado”.
Algumas horas depois já ao anoitecer, Hipólito e Mariazinha, sentiam seus desejos de saber totalmente correspondidos, ao ver o papai regressar juntamente com o companheiro, trazendo presa sobre a armada do laço, uma vaca com úbere bastante volumosa, com quatro tetas também salientes, quando afirmaram ser a mesma da raça Caracu. Para maior alegria das crianças, a referida vaca leiteira vinha acompanhada por um belíssimo terneirinho, (bezerrinho). No dia seguinte, Hipólito, narrou em detalhes o feliz acontecimento a seu irmão Carlitos, que se encontrava na escola no dia anterior. Carlitos, guri já mais maduro e experiente, a dar explicações para seu irmão, avaliava ser este negro Henrique, também proprietário de um galo preto, que calçado com puas de aço num tambor de rinhadeiro, consegue ser de um arrebatamento totalmente devastador. Comentando que certa vez, num tambor de rinhas do senhor Luizinho Dalavechia, o dito galo preto, deixou em curto espaço de tempo, um famoso antagonista que por ali se atreveu, com a cabeça totalmente destroçada e fora de combate, ainda antes do primeiro banho. Carlitos, a continuar a comentar, ser este crioulo, considerado em toda esta profícua região, como o campeiro mais ginete, por isso possuidor de uma raríssima habilidade, que consegue facilmente a dominar os mais aporriados baguais, quando para fazer bonito, costuma em carrreiradas montar e riscar de esporas no melhor sistema gaudério, por entre verdadeiras multidões, sem levar um único tombo desses ferozes e diabólicos animais. Desferindo-lhe por sobre as orelhas, ensaiados golpes de mango, reduzindo-se o velhaquiador a titubear.
Dias depois, quando os dois irmãozinhos transitavam pela estrada, logo acima das palmeirinhas, cruzou por eles o mesmo negro com jeito arrogante, que ao confrontar-se em marcha lenta, emitiu-lhes um quase debochadamente Buenas Tarde. Carlitos, voltou então a fazer referências, citando o dito negro Henrique, quando para o olhar quase incrédulo e curioso de Hipólito, ponderou: “Ele é ordeiro, tem disciplina, também é respeitador, salvo o que se sabe de uma vez em que ao tomar umas canhas, se atreveu a provocar o nosso avô em frente ao seu rancho quando ele já era bem velhinho, e sem mais energia física suficiente, para poder enfrentá-lo”. Carlitos, logo após, voltou a fazer conjecturas, a relatar que certo dia, em carreiras de cancha reta lá na raia do hoje finado Crescêncio Bizarro, três desaforentos, por motivos não bem esclarecidos, resolveram a fazer-lhe uma afronta.
“Mas a seguir o que aconteceu?” indagou Hipólito curiosamente. Carlitos, voltou então a descorrer: “Mas num pronto tinir de ferro branco, negro Henrique, em curto espaço de tempo, colocou os três desafetos no mato”. Cortando um na ponta do queixo, tirando a ponta da orelha do outro e cortando o terceiro de alto a baixo, com um risco que começava no peito, cruzando por sobre o umbigo e atingindo as partes baixas.
Hipólito habituava-se a observar em mínimos detalhes, tudo o que ocorria a sua volta, uma situação que muito lhe intrigava era a questão de tio Estácio Lírio de Oliveira, negro velho que um dia também foi escravo, haver construído um belíssimo violão, sendo que o referido trabalho teve origem a partir de um pedaço de tronco de corticeira. Onde o sertanejo a fazer uso, aprendeu a executar com extrema maestria, o clássico TRISTEZA DO JECA, mais uma valsa que seria de sua própria autoria, quando a não conseguir aprender outra, jamais saiu destas. Mas o fator que realmente mais chamou atenção de Hipólito era o motivo determinante para que tio Estácio, possuísse uma matilha de cachorros. O Respeito, o Guri, a Lorota, a Patrulha e o Colibri, que mesmo alimentados exclusivamente com milho cru, conservavam-se gordos e sadios, com pelos finos e lustrosos. Hipólito ao analisar tal conjuntura, por vezes perplexo na sua intimidade ficava se questionando, que apesar de toda esta segurança que já lhe parecia o máximo, ainda tio Estácio fosse obrigado a fazer uso de uma ferradura, colocada sobre a porta da varanda, para impossibilitar que o mal olhado ou mesmo o feitiço, viesse a bater em sua porta e adentrar pelo interior de seu rancho, a destruir sua felicidade e sua vida. Outra questão empactante que despertava imensa curiosidade de Hipólito, era a decisão do negro velho em colocar na ponta de uma estaca, para proteger sua roça de milho, uma volumosa cabeça com aspas de boi franqueiro, para dificultar que o olho gordo viesse penetrar em sua plantação, e consequentemente lhe causar sérios prejuízos ou danos. Hipólito costumeiramente passou a sentir muito medo, de tudo que havia em sua volta e que julgava ser perigoso. Medo de ser atacado e até devorado por cães bravos, medo de ser carregado pelas correntezas dos rios, enxurradas e enchentes, medo das chuvas fortes, ventos, relâmpagos e trovões, medo das cobras, lagartos e ratos. Mas acima de tudo, o seu maior temor e que ainda mais lhe torturava, era o pavor de assombrações, ante a reação imaginaria quanto ao temor de almas penadas de muitos campeiros e guerreiros, quando estes havendo morrido no pecado, acreditava que poderiam voltar ao nosso mundo em forma de fantasmas, para atacar os inocentes e pessoas boas e de paz.
O ano de 1946 foi marcado de janeiro a outubro por períodos de chuvas intercaladas, em toda a região do Alto Jaquí. Favorecendo significativamente o desenvolvimento da atividade agrícola, daquela próspera e conceituada região produtora.  Senhor João, destacado agricultor da época, havia sido favorecido com excelente safra de mandioca, em conseqüência farinha e polvilho, este já em menor escala, mais colheita farta de milho, abóbora e arroz, entre outros gêneros, feijão e trigo. No entanto, a atividade mais rentável se caracterizada no ramo de suinocultura, com venda de animais a cada espaço intercalado de 90 dias, que vinham também acompanhados, de excelente produção de feno (Alfafa). Cujas colheitas continuas, não ultrapassavam o espaço de 30 dias. Mas já no inicio de novembro daquele mesmo ano, a agricultura daquela desenvolvida região, sofria o ataque inesperado de imensas nuvens de gafanhotos (Epiceno), nome comum aos insetos saltadores, que chegavam talvez aos bilhões. Pragas estas, compostas por uma capacidade invulgar de destruição ou apetite insaciável, quando devoravam sem piedade alguma em questão de uma hora, grandes roças de milho e Alfafa, que haviam sido plantadas com imenso carinho e zelo.
Reforçando ainda mais a calamidade já ali existente, o mês de dezembro daquele mesmo ano, foi assolado por uma estiagem de mais de 30 dias, castigando ainda de maneira significativa a plantação de milho, já por demais debilitada pelo recente ataque de insetos. A água das vertentes sofreu então um quase esgotamento, situação anormal para a época. O arroio Cotovelo (Puitanzinho) com suas águas claras e cristalinas, margeava a propriedade do senhor João, mesmo assim favorecendo de maneira significativa a abundância, deste precioso líquido incolor e preponderante a formação da vida. Devido à escassez de água da fonte, situada nas proximidades da casa, dona Marta, passou então a lavar as roupas no arroio Cotovelo, que fazia divisas de suas terras, no mato e fundo do potreiro. Hipólito, cheio de sentimento de alegria, permanentemente passou a acompanhá-la. O local escolhido por ela, tratava-se do conhecido bebedouro, ponto onde um desenvolvido angico ao desenraizar-se ainda verde, havia se debruçado sobre as águas do volumoso arroio. Então dona Marta, colocando uma tábua sobre os galhos que beiravam a água, sentava-se comodamente sobre o tronco da referida e gigantesca árvore, apoiando-se sob os resistentes e frondosos galhos. Hipólito entretia-se sem parar, enquanto comia Pitangas e Cerejas, também brincando com flores de corticeiras, fazendo delas na sua fértil imaginação, marrequinhas, fazendo com que as mesmas, na sua fantasia, nadassem a beira da água. Em certo dia e no sossego de uma tarde, enquanto dona Marta procurava quebrar a monotonia daquele quase anoitecer, cantando a Valsa dos Patinadores, o menino foi num instante surpreendido com o mergulho efêmero de um pássaro sobre as águas, que talvez em fração de segundo, retornava a superfície, trazendo preso em seu longo bico um peixe de tamanho médio, que no momento lhe pareceu ser um Jundiá.  Neste instante Hipólito voltou a recobrar sua curiosidade, a gritar para sua mãe: “Mamãe, que ave é aquela que mergulhou ai em sua frente e apanhou um peixe do fundo da água, que vai levando não sei pra onde?”. Dona Marta passou então a esclarecer ao menino, que aquele pássaro, é ave Alcedinídia, que se alimenta pelo que sabemos, exclusivamente de peixes e insetos aquáticos, aqui em nosso meio é conhecido apenas como Martim - Pescador, mas em outros lugares é chamado também de Ariramba. Enquanto a noite já se aproximava e dona Marta, rapidamente juntava as roupas já lavadas, colocando-as sobre uma grande bacia de alumínio, instalando também a tabua de lavar, sobre os galhos mais altos de um pé de Sarandi ou Amarilho.
Naquele momento ainda o menino mais uma vez amedrontou-se, ao ouvir o ganido de um animal silvestre, o qual lhe pareceu estar apenas a alguns metros de onde eles se encontravam, isto é, do outro lado do arroio entre as enormes touças de Taquaraçu. Hipólito, então sentindo imediatamente grande pavor, gritou para sua mãe: “Mamãe, de quem é este uivo? Não é cachorro não!”.
Dona Marta também já bastante surpresa e amedrontada, caminhando rapidamente pelo mato em direção a sua casa, procurou justificar ao menino, de quem seria aquela vociferação. Explicando então em voz baixa, que aquele ulular seria do Lobo - Guará, animal carnívoro, que também se alimenta de frutas silvestres e que só ataca pessoas adultas em caso de sentir-se ameaçado. Mas logo ao saírem do terreno inculto, foram mãe e filho mais uma vez surpreendidos, ao avistar para o lado do quadrante sul, uma barra de cor negra que velozmente cobria toda a circunferência. Dona Marta, naquele instante vibrou de alegria, ao insinuar para o menino, que a chuva estava chegando com abundância, e que daria fim a seca que sem piedade alguma, castigava a plantação e os animais. Quando ainda ponderava: “Mas que presente divino estamos recebendo de ano novo”. Ao chegar em casa quando a chuva já caia copiosamente, Hipólito a festejar o final da seca, ainda comentou para seus irmãozinhos, do espetáculo proporcionado pelo Martim – Pescador, a retirar em um mergulho mágico sobre as profundezas do Cotovelo, um peixe comum, usando para isso apenas o bico e o malabarismo instintivo ou natural. A seguir o menino ainda comentou detalhadamente o episodio sobre o uivo do Lobo – Guará, na outra margem do Cotovelo, no mato dos colonos de Boa Esperança, quando arrepiava-se de pavor.
Muitas vezes enquanto dormia na escuridão da noite, Hipólito ante a concepção do perigo imaginário, sonhava estar caindo em um precipício, onde havia muitos lobos extremamente ferozes, quando na ânsia de devorá-lo, emitiam ganidos atemorizantes. Em uma determinada manhã, enquanto Hipólito e sua irmã Mariazinha, brincavam a sombra do arvoredo, foram as crianças repentinamente despertadas com a aproximação de dois touros bravos, que havendo escapados do potreiro do tio Estácio, disparavam o mais rápido possível, na direção exata em que eles se encontravam. Mesmo surpreendidas, as crianças ainda a tempo puderam atinar: “Mas que sorte a Adelaidinha ter ficado dormido dentro de casa”. Enquanto ambos corriam o mais depressa possível na direção de uma grande carroça, que encontrava-se estacionada nas imediações, ainda ouviam os gritos da irmã mais velha, Luzia: “Corram, corram!”Depressa, depressa” “Escapem, escapem!”. Hipólito a fazer juízo de tal situação, foi o primeiro a alcançar a carroça, onde conseguiu subir apoiando-se nos raios de uma roda traseira. A seguir alcançou a mão para Mariazinha, que também procurava evadir-se, quando afinal sãos e salvos assistiram os ferozes animais chegarem, quando pacificamente cheiraram, depois lamberam as tábuas da carroça e finalmente sem ter oferecido perigo algum aos inocentes, sossegadamente retornaram. Muitas vezes a reproduzir-se, Hipólito passava a fazer juízo de tal situação quando se perguntava: “Porque todo este medo? E porque razão não sou também assim como negro Henrique? O  mais destemido entre todos os ginetes. Quando a deixar de ser vulgar, se distingue de seus congêneres, pela rara habilidade de tornar-se admiravelmente capaz de espantar o medo. Quando a um só tempo a se tornar um monstro, consegue quebrar a manha dos baguais mais cruéis: Ainda porque razão eu não ser assim também como este crioulo? O mais abarbarado entre todos os valentes, que talvez em um só sublime momento, consiga reprimir a dezenas de almas penadas ou assombrações, que porventura apresentem-se em minha frente”.
Passaram-se ainda muitos dias, meses, e talvez um ano, quando Hipólito, já mais crescido andando a cavalo, passou também a servir de mandalete, para seus pais, também chasqueiro ou recadeiro como se diziam. Movimentando-se o menino de um lado para outro, usando na maioria das vezes como montaria, apenas além do freio e buçal, mais um pelego e baxeiro. A estrada já lhe proporcionava algo a mais, como por exemplo, se deparar ao longo do caminho, com pessoas de origens, sotaques e características diferentes. Como foi o caso de encontrar-se seguidamente com Cocô e Marciana, casal atípico que sempre lhe despertou inúmeras duvidas e curiosidades. Este casal morava como agregados do senhor Terézio, sendo o mesmo proprietário de cavalos de corrida. O jovem Cocô, como profissional costumeiramente vencia quase todas as corridas que efetuava, tocando com extrema habilidade, quando foi consagrado como atleta por demais prestigiado. O cidadão Cocô, media menos de 1,50m de altura e pesava apenas 39 kg, enquanto sua jovem esposa Marciana possuía 1,85m de altura, pensado aproximadamente 75 kg. Tratava-se eles de um casal extremamente feliz, quando em horas de folga passeavam habitualmente juntos, caminhando lado a lado e de mãos dadas. O espirituoso senhor Cocô, talvez no sentido de impressionar, batia fortemente os pés sobre o solo, no melhor estilo militar. Marciana por sua vez, mulher loira dotada de uma excelente compleição física, caminhava suavemente e de maneira instintiva, quando exibia suas belíssimas pernas, que Deus do alto de seu trono e poder, carinhosamente a presenteou. Hipólito ao ver o casal frequentemente passar, colocava em questão sua profícua imaginação: “Como serão os filhos de Cocô e Marciana, um dia quando virem ao mundo? Pigmeus ou raquíticos, mas talentosos assim como Cocô? Ou elegantes, vistosos e belíssimos, idênticos a Marciana?”.
O menino dentro de seu espírito ilusório e pureza de pensamentos, acreditava ter já nascido como um imutável felizardo, em poder conviver entre outros indeterminados acontecimentos, com a chamada fase de ouro da música popular brasileira. Em suas quase continuas andanças a cavalo, que lhe era atribuído, Hipólito costumava fazer ao longo do caminho percorrido, o seu mais sonhado e interminável palco imaginável. Quando quase ininterruptamente cantarolava, de maneira extremamente baixa e suave, quando mesmo só ele pudesse ouvir, as mais empolgantes e apaixonantes canções que na época se evidenciavam. A retratar melodias inesquecíveis de Ari Barroso, Lupcinio Rodrigues, Benedito Lacerda, Luiz Gonzaga e Noel Rosa, entre tantos outros talentos que só mesmo ele tivera a oportunidade de conhecer, através do radio, este, o mais importante veiculo de comunicação disponível ate então. Os seus principais ídolos cantores da época, se caracterizavam como Elizete Cardoso, Carmen Miranda, Vicente Celestino, Orlando Silva e Francisco Alves, este o incomparável Chico Viola, que para o rapaz se constituía como seu principal ídolo. Em finais de semana, quando aproveitava única e exclusivamente para brincar, Hipólito se deliciava fundamentalmente em finais de semana, ao ouvir através do receptor de radio, narrações emocionantes em transmissões esportivas, quando principalmente as mesmas eram realizadas, aos domingos à tarde. Quando os determinados jogos eram realizados em Porto Alegre, bem como São Paulo, e muito principalmente Rio de Janeiro, época em que era esta, a capital federal do Brasil. Vivendo em tais condições, o menino era extremamente consciente de si mesmo e dos seus próprios valores e limitações, quando conhecia cidades grandes, só mesmo através do seu fértil poder imaginativo. Em proficientes oportunidades, o garoto silenciosamente ouvia comentários por parte do seu pai e irmãos mais velhos, quando entre outros mais variados assuntos, também a conversa girava em torno de futebol, quando os mesmos entusiasticamente mencionavam o Internacional de Porto Alegre e seu craque principal Tesourinha, além da Sociedade Esportiva Palmeiras e ainda Flamengo e Vasco da Gama e seu principal atleta, Ademir de Menezes, entre outros grandes clubes. Dentro do seu mais intenso desejo de informar-se e aprender, o garoto permanecia completamente imóvel, a ter conhecimento de que futebol era jogado com bola de couro, bem diferente do que ele era acostumado a praticar na escola, oportunidade em que o mesmo ali na roça, era jogado unicamente com bolinhas de borracha. Alguns dias depois, o garoto já era informado através da crendice popular, de que em São Paulo, entre tantos outros renomados atletas profissionais, existia um jogador, cujo nome era Jair da Rosa Pinto, sendo o mesmo, dotado de um chute completamente arrasador cujo impacto em determinadas circunstancias, poderia tornar-se até mortal. Hipólito levado a persuadir tais fatos que não lhe pareciam inverdades, em situações que lhe eram impostas a estar solitário, recomeçava a sonhar com coisas de considerável importância e que poderia lhe acontecer ao longo da vida, como exemplo, encontrar-se um dia já como adulto, em uma tarde de domingo em pleno Estádio do Maracanã. Onde deveria estar acontecendo um sensacional clássico entre Flamengo e Palmeiras, quando ele deveria se posicionar no mais alto das arquibancadas, para assim poder melhor se proteger, dos verdadeiros canhonaços que deveriam ser desferidos pelo incomparável Jair da Rosa Pinto. Procedendo assim dessa maneira, sonhava ele poder pacificamente ouvir a famosa Charanga do Jaime tocar, bem como se sensibilizar com as cabeçadas do zagueiro Pavão, atleta rubro-negro, bem como as matadas de bola do “sempre imitado, mas nunca igualado” Dequinha, atleta lendário. Depois de desfazer-se momentaneamente de seu mundo interior de fantasias e sonhos, Hipólito retornava a seu prazeroso e jovial universo de realidades, oferecendo uma prece a São Jorge, seu santo padroeiro, com um insistente pedido, para que tanto o Flamengo como o Internacional se tornassem respectivamente campeões de seus próprios estados naquele mesmo ano.
A noite silenciosa do mês de agosto, se desenhava extremamente fria. Talvez na unidade de medição de temperatura, segundo a escala Celsius, ao ar livre oscilava em torno de -10° C. Enquanto o Minuano, vento gelado também conhecido como Andino, chegando da Cordilheira, assoviava sem piedade alguma, sobre os Tapa – Ventos do galpão. Hipólito sentado confortavelmente junto ao fogo de chão, contemplava tal situação, como um dos mais belos e atraentes espetáculos, que a natureza poderia lhe oferecer. Ao mesmo tempo, em sua frente, o mulato Napoleão Ferreira, que era também tratador de cavalos de corrida, se distraia de maneira imensurável, a relatar para o senhor João, os acontecimentos históricos relacionados à revolução do ano de 1932. Quando ele, integrando o célebre regimento Pé no Chão de Palmeiras das Missões, comandado pelo Coronel Finzinho de Assis. Segundo ainda suas esclarecedoras palavras, havia participado de encarniçados combates contra seus próprios irmãos brasileiros. Quando teve a oportunidade de sacrificar, mesmo contra sua própria vontade, alguns compatriotas seus. Hipólito, ao ouvir tal explanação, extremamente contrariado e desiludido, imediatamente procurou seus aposentos. Mas antes de entrar em suspensão normal e periódica da consciência e da vida (sono), a fazer juízo de tal fato, ainda interrogou-se: “Mas se estas guerras ou revoluções são tudo isto que falam, eu prometo a mim mesmo e a Deus, que quando crescer um pouco mais e me tornar adulto, Caudilho algum desse estado ou país, conseguirá me recrutar ou me levar à força, pois se quiserem me chamar de covarde (cobarde) a partir deste momento, poderão então assim proceder. Porque fugirei para o mais fundo dos matos, quando a viver somente entre os selvagens, passarei pelo restante de minha vida, a desfrutar unicamente de tudo o que a natureza nos concede. Ainda acredito que somente quando conseguir a viver apenas entre os irracionais, consiga eu me tornar o mais verdadeiramente racional entre os humanos”.

Mas em certa manhã sombria e úmida da estação hibernal, quando Hipólito se encontrava estudando na escola, situada mais ou menos a uma légua de distancia de sua morada, o menino em um momento passou a sentir leve dor de cabeça, preocupados, os professores, Lulo e Aninha, imediatamente lhe aconselharam a regressar a sua casa, para que a sua mãe a tomar conta da situação, lhe medicasse com chazinhos e remédios caseiros. O menino tomando então o caminho de retorno regressou em passos lentos. Mas quando se encontrava nas proximidades da  antiga encruzilhada do senhor Pedro Meira, foi despertado para um acontecimento totalmente imprevisto. Quando avistou a uma razoável distância, o que no momento lhe pareceu inverossímil. Mas só ao aproximar-se, que o pacifico, mas curioso menino conseguiu então determinar tal situação. Pois tratava-se de um cortejo fúnebre, que vagarosamente e dentro do possível, se aproximava. Hipólito, imediatamente num gesto da mais completa reverência, postou-se ao lado do caminho com o chapéu a mão. Na vanguarda encabeçando o cortejo, movimentava-se lentamente uma requintada carruagem puxada por uma excelente parelha de cavalos, quando o menino imediatamente pode constatar ser a mesma de propriedade do senhor Osvaldo Ribeiro de Quadros (parente Sinhô), que também no momento era o condutor. A cruz colocada em pé junto à tampa dianteira da carruagem, que se divisava a regular distância, sintetizava a prova mais evidente do que estava acontecendo. A seguir, centenas de cavaleiros perfilados, como que participando de um desfile militar, também se deslocavam com razoável lentidão. Em ambos os lados do caminho haviam saliências, produzidas pelo provável natural rebaixamento da estrada. Hipólito postando-se em um costado, na posição em que se encontrava quando a carruagem passou, conseguiu perfeitamente perceber o caixão, produzido com rústicas tabuas de Pinho, que no momento era colocado sobre o lastro da condução. Depois passou a distinguir através da percepção operada pela visão, a todos os cavaleiros, ate passar o último. Uns tagarelando, outros cabisbaixos, que a fixar de um a um o menino conseguiu identificar quase todos. A seguir Hipólito extremamente tomado de curiosidade, retomou então seu rumo, quando a refletir sobre o acontecimento, ficava se perguntando para onde se dirigia e de quem seria aquele funeral? Mas ao cruzar pela primeira pessoa conhecida, teve imediatamente o seu desejo de saber totalmente esclarecido. Pois foi informado por Valdemar, jovem e comunicativo, filho de dona Paulina, que aquela imensa caravana que recentemente passou, estaria acompanhando o corpo de negro Henrique, que havia falecido. Quando segundo o expansivo rapaz, os despojos mortais do referido cidadão, estariam sendo encaminhados para o cemitério velho, na saída para o campo, onde finalmente seriam depositados em uma escavação a sete palmos de profundidade. Igualmente a referida cruz, falquejada, tomando por base o cerne de Guajuvira ou Tarumã, que estaria acompanhando o cortejo, também seria plantada a alguns centímetros da cabeceira da sepultura. A partir daquele momento, Hipólito, passou a acreditar quando a meditar sobre o ocorrido, a não haver razão para alguém sentir-se demasiadamente fraco e a um só tempo encontrar excessivamente fortalezas em outras pessoas. Nos diversos dias em que sucedeu a esta ocorrência, Hipólito passou seguidamente a meditar sobre tal acontecimento, quando se perguntava: “Mas se este negro Henrique foi sempre o mais valente, o mais ginete e aparentemente o mais saudável, porque razão de um dia para outro, como disse um poeta, a morte china, maléva e traiçoeira que ate da pena” de repente sem ao menos pedir licença, invade o seu rancho, e ao mesmo tempo, sem encontrar o mínimo de resistência, implacavelmente o arrebata. A partir deste dia, o menino passou a acreditar que os humanos são frutos do amor de um mesmo pai, quando independente da origem, cor ou condição social, somos perfeitamente iguais. Somente a ele, este senhor onipotente, devemos nos humilhar. Somente a ele devemos nos curvar e consequentemente sobre a proteção deste infinito e misericordioso Pai, sem nada mais a temer, seremos eternamente fortes.

domingo, 11 de agosto de 2013

MIGUEL ARNILDO GOMES (apreciando um mate)

Vai Meu Canto

Meu canto que brota do peito gerando poesias
Imagens que se irradiam a formar matizes
Nos versos mais tenaz e belos que se pronuncia
O canto moderado e brando nos torna felizes.

Meu canto é a própria alma que do ventre gera
Da terra tão serena e bela qual luzir de aurora
Resquícios de um alvorecer da nova primavera
Poema afluído e vago que chegou outrora.

Vai meu canto, versos meus, onde trilhando
Por recantos e universo, chega meus versos
Ao encontro com meu Deus.

Um dia quando chegar no fim de minha idade
Esta será também a minha ultima aspiração
Que eu possa para o eterno rei da divindade
E para os anjos entoar esta canção.

O mundo foi feito pra todos e sem distinção
Conduziremos como missão a nossa cruz
Perdoando a todos, amando a deus e nossos irmãos, nós chegaremos ao encontro com Jesus.

Poesia de Miguel Arnildo Gomes

(Vô Miguel)

Opor-se à Razão

Ser vencedor é alcançar glórias
Acolher louros de vitórias
Sem desmerecer a quem ficou para trás
Pelo que se deduz e se satisfaz
A respeitar sempre o seu oponente
Quando a usar lucidez e ser transparente
Pois quem se envaidece torna-se enfatuado.
A ser menos merecedor do triunfo que lhe pertence.
Nesta fascinante competição quem apenas vence
É quando a humildade supera o egoísmo
Quando a razão não da espaço ao fideismo
Nesta rivalidade que se promove a esmo
Quando o mundo inteiro gira em torno de si mesmo
Ao haver clamor, torna-se o ganhador
Um esdrúxulo e eterno derrotado.

Poesia de Miguel Arnildo Gomes

(Vô Miguel)

O Tempo


O tempo cruza tão depressa sem deixar rebentos
Deixando apenas amor, dor, mágoas, e sofrimentos
Como vestígio de uma existência que o próprio tempo apagou,
Como replica incontestável de uma vida que se evidenciou,
Onde se vive apenas na desilusão e na dor da saudade,
Onde incessantemente se corre atrás da dita dona felicidade,
Que se é que ela realmente existe, jamais alguém um dia a encontrou.

O tempo cruza tão depressa como um furor de vento
Como um bando de pássaros migrantes em movimento,
Como um corisco que correu no espaço riscando o universo,
Ou uma vaga ilusão que viajou pelos confins sem colher sucesso,
Cruzando por oceanos, vales, marcos, gerações
De onde talvez se busque inspiração para muitas canções,
Queimando o encanto da poesia pelo calor do próprio verso.

Talvez ainda o eco do tempo se espalhe pelas distancias,
A conduzir silencio ou a produzir sons em mágicas ressonâncias,
Na razão de se poder viver e ver o tempo passar
Que o planeta terra existe não se pode questionar
Buscando razões, verdades, mentiras ou critérios.
Mas o mistério do tempo é mais um grande mistério
Que só ele mesmo nosso poderoso Deus a nós pode explicar.

Miguel Arnildo Gomes


sábado, 11 de maio de 2013

Poesia A Memória de Luiz De Quadros Gomes


A MEMÓRIA DE LUIZ DE QUADROS GOMES - MIGUEL ARNILDO GOMES

Num dia cinco de novembro
partiu e deixou saudades
que me arrebata, me invade
ferindo-me a própria alma,
a o  raciocinar com calma
porque  a vida é assim?
Na ficção ou na poesia
eu penso que bom seria
que tudo se eternizasse
e que tudo de bom que nasce
permanecesse vibrante,
como um astro radiante
e que jamais tivesse fim...
Fostes meu irmão mais velho,
meu professor , meu padrinho,
que ao longo de um só caminho
me destes ensinamentos,
ao lembrar neste momento
os primórdios de minha infância,
dos meus sonhos de criança
em aprender escrever,
me ofereceu o “Queres ler,”
a tabuada e o catecismo,
me deu aulas de civismo
e o verso tosco e caipira
aprendi não é mentira,
na mais cabal realidade
na pureza da verdade
e na magia do saber.
Recordo o cachorro Cairú
que tu levavas na carroça
quando seguias para a roça
com o Galante e o Barão,
bois de nossa estimação,
também o Gaúcho e o Navalha.
Se a emoção não atrapalha
eu termino este relato,
a ser coerente e sensato
na expressão sentimental,
coisa  vulgar ou banal
mas que pra mim tem sentido
sem deixar despercebido
na simples dedicatória
 a esta longa trajetória
que cumpristes até o fim.
Hoje renasces em mim
ao  usar de um só dialeto
a saudar tua esposa, filhos e  netos
e toda a família afinal...
em tua memória me ajoelho
pra continuar um pouco meu espelho
te tornarás imortal.
Lembro o cavalo Rosilho
que papai te deu de presente.
Tu saías imponente
nesse pingo marchador,
com garbo e muito amor.
Fostes professor,depois viajante,
improvisador vibrante,
de bons livros fostes leitor,
também fostes vereador
em algumas legislaturas
é como traçar a pintura
na tela da imaginação
é como ligar o coração
nos cordéis da profecia,
tua imagem se irradia
no lamiré da severidade,
misto de rigidez e bondade
misto de bronco e letrado,
por alguns idolatrado,
por outros , mal entendido,
corajoso , destemido,
audacioso e perspicaz
LUIS DE QUADROS GOMES DESCANSE EM PAZ NA INVERNADA DO SENHOR!!!

Poesia Ecos de um Tropel


ECOS DE UM TROPEL - MIGUEL ARNILDO GOMES

Na serração tensa, no ruído de galhos,
Nas gotas de orvalho, em uma manhã
Lagoa dos Patos, serena e tão linda
E belezas infindas do Rio Camaquã

Caramurus chegaram
Para um encontro mais serio,
Guardiões do império
Como Moringue na frente,
Jamais saberiam que sobre o estaleiro,
Havia carpinteiros e homens valentes.

Atira Procópio, que isto nos pertence,
Aqui alguns Riograndenses
E da outra banda,
São cento e cinqüenta imperiais,
Giuseppe falou que estes negros valentes,
Foram os melhores e os mais fieis.

Garibaldi ativante
Batizado no Pampa,
Que até pela estampa
Se configurava,
“Sonhador de dois mundos”
Visionário crescera,
Libertário que era
Por esta terra que amava.

Na estância do brejo
Neste encontro de guapos
O estandarte farrapo
Se glorificou,
Na peleja mais tensa
Sem ficção e sem jaça,
O ideal de uma raça
Se imortalizou.

Poesia Atalaia


ATALAIA - MIGUEL ARNILDO GOMES


Atávicos sonhos se desvenda,
Contenda sem mancha ou cicatriz
Inúmeros feitos e lendas,
Legenda de pátria e de raiz.

Tropeada dos dez anos, um só fato ,
Relato que lineou a trajetória,
Do prumo que sem pompa ou aparato,
Traçou um novo rumo pra historia.

A homologia nos traduz neste momento,
O Neto, o Bento e os distintos amarais,
Nunes Garboso comandante dos lanceiros
Como escudeiros pra notáveis imortais.

Hoje ao cruzar no cemitério do Cordeiro,
Com cerração que encobre uma manhã,
Ouço ao longe o clarim de Antonio Ribeiro,
Junto ao murmúrio das águas do Camaquã.

Onde ficções e ideais se entreveram,
Nossa bandeira andeijou serra e cochilhas,
Nesta tenência a própria raça se tempera,
Como centauros vanguardeiros farroupilhas.

Poesia Índia Anaí


ÍNDIA ANAÍ - MIGUEL ARNILDO GOMES

Aquele marco plantado
Na colina do Caiboaté,
Comprova que índio Sepé
Sem fazer ostentação
Pra defender o seu chão
Ao sair de São Miguel
Rumo a São Gabriel
Morreu com lança na mão.

Anaí, quanta ousadia,
Audaciosa e caborteira,
Formando a mesma carreira
Ao deixar na taba o filho
Percorrendo o mesmo trilho
Quando a cruzar por ali.
China intrépida, ignorante e sedutora,
Quando um dia também fora
A mais bela cunhataí.

Ela partiu pelo fator verdadeiro,
Quando no afã de servir guerreiros
Canta, grita, chora e ri.
Quanta fraqueza
Em um imensurável frenesi,
Liderando outras chinas
Sobre brenhas campos e campinas,
No rumo a Itusaingô
Onde um dia também tombou
Ela, a tapejara índia Anaí.

Quanta rudeza,
Quando a conduzir-se em um só tropel
A ser amarga como o fel
Somente sendo fiel
Ao seu deus Tupã e mãe Tupanci.
Sobre a flor da corticeira
Que crescera no banhadal
Ao tornar-se imortal
Ficou morando pra sempre, a Anaí.

Cunha valente,
Que ao próprio amor não se apega
Disparando por entre as macegas,
Dessa situação não reclama.
Quando ela, a índia Anaí
Símbolo de cunha guerreira
Junto ao um pé de corticeira
Foi devorada pelas chamas.

Salve, salve Anaí!!!
Cunhataí, depois cunha guerreira.
Salve a índia missioneira ,
Salve o bugre, xucro e nu.
Salve, salve Tiarajú
Salve Sepé redivivo.
Salve Andrezito altivo
Nosso André Taquari
Neste culto de emoções
Salve o mártir das missões.
Salve o pagé do momento,
Salve o rodeio dos ventos.
Mil vezes, salve, salve, salve
Anaí!!!

História Não-Me-Toque de Ontem e Hoje


NÃO ME TOQUE DE ONTEM E HOJE - MIGUEL ARNILDO GOMES

 De um lado verdes campos cobertos por capim barba de bode, onde sobre o orvalho das lindas manhas rebanhos e mais rebanhos de emas (ou nhandus) passeavam, onde os perdigões emitiam contagiantes assovios, procurando fazer dueto ao belo canto das seriemas. Na copa, no alto dos angicos, gaviões das mais diversas espécies emitiam ruidosos gritos, atemorizando a belíssima jacutinga, que com seu sonoro canto saudava o renascer de mais um dia.
Sobre forquilha das mais variadas aroeiras, caneleiras, erveiras, campuatãs... muitos casais de Barreiros (João de Barros), arquitetavam suas resistentes casas, usando-se para isso apenas argila intercalados a uma pequena mescla de palha. O que segundo o poeta com a porta de esguelha para o norte, para melhor proteger-se do vento minuano ou chuvas frias, que sopram do quadrante sul durante os meses hibernais.
No decurso das estações mais quentes, os vaga-lumes ou pirilampos com suas luzes fosforescentes, proporcionavam a singeleza nativa, o mais pinturesco painel ao pintar-se a tela das noites sombreadas, onde corais de rãs quebravam o silencio com a mais surpreendente orquestra sinfônica que a natureza nos brindou.
A uma milha e meia da itinerária brasileira para o sul e menos de uma milha para o oeste, podia ver-se extensas matas cobertas pelas mais diversas arvores nativas, tornando-se visíveis por entre elas gigantescos pinheiros araucárias, árvore também símbolo da região. Matas cujo habitat natural, abrigavam centenas de espécies de pequenos e médios animais silvestres e anfíbios, e ainda a mais numerosa variedade de pássaros que ao habitar nesta sobejidão, os papagaios talvez constituíssem como a força mais barulhenta, voando a média altura e em bandos por demais numerosos, tornando-se incontáveis numa algazarra inconfundível, como o que implorando para que aquela liberdade jamais viesse a se extinguir. Nesta circunstancias segundo a tradição precisamente familiar, o que nos foi transmitido pelos nossos bisavós, avós, pais e que hoje estamos repassando a nossos filhos e netos, e possivelmente a outras futuras gerações.
Foram décadas de pesquisa, e a que conclusão cheguei! Que aproximadamente no ano de 1848, isto é, um pouco antes da virada da primeira para a segunda metade do séc. XIX, chegaram a esta terra, oriundos da cidade de Ponta Grossa - PR, o casal Possidônio Ribeiro de Santana Vargas e Plassidina da Rocha Vargas. Ali estava o sonhador filho homem de Miguel Vargas e Maria Angélica. Adquiriram terras cuja primeira sede construíram muito próximo, onde situa-se a cidade de Não Me Toque, na saída para Carazinho. Possidônio e Plassidina vieram acompanhados alem de filhos ainda crianças, alguns negros escravos, bem como outros peões e agregados, quando construíram casa, galpões, mangueira de lascão e cochos cavados a partir de volumosos troncos de árvores, que serviriam para dar sal aos animais. Esta sede segundo se comentava situava-se a 45 minutos a pé até chegar ao local onde construiu-se mais tarde a Paróquia Cristo Rei de Não Me Toque. Nesta querência Possidônio e Plassidina viram crescer os filhos Antônio, José, Miguel (Varguinha), Pedro (Pedruca), Ambrosina e Ana Maria (Inharinha).
Possidônio foi um dos primeiros estancieiros a povoar campos nesta região, quando tinha como lindeiro entre outros, o Capitão Bernardo Antônio de Quadros e Felicidade Maria Xavier, este casal, a partir 1956, passou a povoar com seus rebanhos, a fazenda Bom Sucesso, que era sede da Invernada Grande e que situava-se entre os rios denominado Colorado ou Puitã e Arroio Cotovelo, que também na época denominado Puitãzinho. A amizade adquirida entre o senhor Possidônio e dona Plassidina com o casal Bernardo e Felicidade, tornou-se ainda mais ativo, quando os filhos possivelmente Antonio Ribeiro de Santana Vargas e Maria de Jesus de Quadros contraíram casamento no início de 1871. Possidônio, pessoa bastante comunicativa e dotado de alguns conhecimentos escolares, havendo conseguido ao transcorrer destes anos, cativar belas amizades entre fazendeiros do interior de Passo Fundo, bem como entre seus peões e alguns nativos remanescentes e ainda pela maneira amistosa que tratava seus escravos.
Mas foi mais ou menos nesta época, quando Possidônio julgava que sua paz ainda ia se perpetuar por um bom tempo, que veio o grande impasse, pois dona Plassidina juntamente com as duas filhas Ambrosina e Inharinha, já crescidas, começaram a pressioná-lo no sentido de mudar de residência. Talvez pelo motivo desta fazenda estar situada a uma razoável distancia de outros fazendeiros, que já se aglomeravam em torno do futuro arraial de Carazinho, onde a família Vargas já havia adquirido uma gleba de terras. Como Possidônio já havia contraído uma certa paixão pela sede, que com tanto amor construíra, por algum tempo ainda conseguiu resistir, mas dado a insistência continua dos familiares, Possidônio em determinado momento, reuniu esposa, filhos e principalmente as filhas, quando as ponderou:
- Posso até distribuir em vida a terra para vocês em outros locais, mas com a seguinte condição, daqui vocês não me toquem.
Foi a partir de então que a antiga sede passou a ser chamada pelas filhas Ambrosina e Inharinha carinhosamente como “Não Me Toque do papai”. Popularizando-se mais tarde principalmente entre as famílias Martins e Xavier de Quadros, já ligados a família Quadros por laços de parentesco, como sendo então “Não Me Toque de Seu Possidônio”. A repercussão foi tão imediata em toda a região, quando tropeiros oriundos destes rincões, a repontar mulas para a feira de Sorocaba – SP, ao confrontar-se com colegas tropeiros provenientes de outras paragens, principalmente peões Birivas, quando descendo de São Paulo ou do Paraná, muitas vezes se entreveravam aos peões gaúchos em rondas ou pousadas, mas quando referiam-se ao nome do lugar causava muita admiração e curiosidade entre os colegas, tornando este nome “Não Me Toque de Seu Possidônio”, conhecido em muitos rincões da província, bem como entre outros estados.
Comenta-se ainda sem se saber o dia, mês ou ano mais que foi possivelmente no final da década de 1860 que Possidônio, contrariando a qualquer desejo seu, mudou-se da sede de Não Me Toque com a família, passando a ser responsável direto, juntamente com a esposa Plassidina e principalmente Pedro (Pedruca), para formação do Arraial de Carazinho.
Já no final do séc. XIX foi criado por visionários na sua maioria descendentes germânicos, muito próximo aquele local a Colônia do Alto Jaqui. Não Me Toque mesmo deixando de ser de seu Possidônio jamais deixou de existir, pois este nome continuou a ser tratado com grande carinho pelos nossos valorosos desbravadores. Ainda durante os primeiros anos do séc. XX residia na antiga sede uma filha de Possidônio e Plassidina de nome Ambrosina Vargas, que era casada com major maragato Elesbão Martins, este filho de José Fidelis Martins e Meringelda Corrêa. Elesbão e Ambrosina tiveram como filhos talvez entre outros, Ipólito, Amazilia, Dinarte, Antônio, Pedro, Pedrina, Amélia e Acólia. Acólia casou-se com o poeta e escritor Clemenciano Barnasque, escritor entre outras importantes obras, “As Efemérides Riograndenses”, após o casamento Clemenciano e Acólia passaram a residir em São Sepé. Posteriormente transferindo-se para Porto Alegre.
Mas o acontecimento que talvez mais entristeceu Elesbão e Ambrosina, fazendo com que vendessem o restante da fazenda de seu Possidônio que lhes coube por herança e transferindo-se para Carazinho, foi a questão da filha Amélia, menina moça ainda tão cheia de sonhos, haver perdido a vida, quando no dia 2 de novembro do início do séc. XX, data esta consagrada aos mortos, ao transitar pelo interior do cemitério de Não Me Toque, ostentando um belíssimo conjunto com saia ornamentada com goma, usando-se para isso além de uma pequena quantidade de amido, também álcool. Assim, ao passar por algumas velas acesas, foi então a extrovertida garota, acidentalmente colhida pelas chamas, quando ao destruir suas vestes, queimando-a totalmente. Acontecido isto, a belíssima e faceira Amélia em profundo desespero, veio a falecer nas entranhas do aludido cemitério em dia de finados. Também segundo a tradição nos conta, um atento campeiro ao chegar naquele momento para também acender velas, mas ao constatar o trágico acontecimento, tomou o corpo de Amélia completamente queimado e nu, envolvendo-o em seu luxuoso pala, para efetuar o translado até sua casa onde ela nascera e passara sua infância.
No dia seguinte, o corpo da jovem Amélia Vargas Martins, transportado em uma carrocinha, puxada por uma parelha de cavalos e acompanhadas por muitos cavaleiros e por senhoras e senhoritas andando a pé, voltava para ser sepultado em outro cemitério, localizado hoje entre as cidade de Não Me Toque e Carazinho. 
Foi a partir de quando Elesbão e Ambrosina já idosos e profundamente desgostosos, transferiram-se definitivamente para o povoado de Carazinho, passando a residir onde situa-se hoje a vila Santo Antônio, onde alguns anos depois faleceram.
A Colônia do Alto Jaqui muito prosperou, conseqüentemente o povoado de Não Me Toque também, com a emancipação de Carazinho em 24 de janeiro de 1931, passou a integrar este município na condição de segundo distrito, emancipando-se em 28 de fevereiro de 1955. Assim, tornou-se cidade prospera, hospitaleira, habitada por gente de diversas origens ou nacionalidades.
Hoje em pleno séc. XXI, ninguém mais fala que um dia esta querência já foi denominada popularmente como “Não Me Toque de Seu Possidônio” ou por alguns até como “Não Me Toque do velho Possidônio”. Os tempos mudaram, mas os rumos continuam sendo os mesmos, quando a promissora terra e prospera cidade continua ser cada vez mais rica e hospitaleira, tornando-se cada vez mais Não Me Toque.

Poesia Mãe Natureza


MÃE NATUREZA - MIGUEL ARNILDO GOMES

Alem e muito alem do horizonte o que haverá?
Belos rios de águas claras, arroios ou vertentes?
Lagoas encantadas, caminhos que levam e levam pra longe,
Que giram e giram, mas quase sempre nos trazem de volta outra vez.
Depois passa um ano, um mês, uma semana, um dia, uma hora, um minuto,
Um segundo, um eterno segundo, dando-se a impressão
ao ver-se agrotóxicos serem derramados
e ao ouvir-se o ronco de moto serras, “que a própria terra esta pedindo socorro”.
Terra que esta girando, girando, girando em torno do planeta vazio,
Onde há muitas nascentes, que ao mesmo tempo estão sendo drenadas,
Onde ainda há, algumas matas que ainda restam, mas que estão sendo devassadas,
E onde ainda existem rios e arroios que correm, que correm e correm depressa,
E vão para os oceanos.
Rios que já estão secando, onde há ainda alguns peixes que asfixiados estão morrendo.
Rios que ao longo dos anos, dos meses, dos dias e das horas, vão sendo poluídos,
Corrompidos ou até engolidos pela erosão, sem prestar-se conta à natureza,
E por qual a razão? E os longos caminhos que margeiam essesrios, 
E que transpõe as matas e montes, que andam, andam e andam pra longe,
Bem longe, depressa, sem ter esperança de poder voltar.
Para onde um dia havia vertentes de águas claras, puras e cristalinas,
Para onde havia matas e pássaros saudando o amanhecer de cada dia.
“O nosso planeta esta pedindo socorro”, crianças, cresçam logo e depois corram depressa,
e nos ajudem a salvar a nossa mãe natureza,
pois esta foi a maior riqueza com que Deus nos presenteou.