VAQUEANOS
OU TAPEJARAS - MIGUEL ARNILDO GOMES
Atingia-se quase o final da primeira metade do século
XX, a agricultura no Rio Grande do Sul, intensificava-se a cada safra, com
relativo aumento de produção.
Os agricultores, porém, quando na sua absoluta
proporção, já dependiam de uma reduzida área de terras para poder sobreviver, a
cada ano, nas mais variadas zonas e das mais diversas regiões agrícolas do
estado, a falta de espaço para que se pudesse produzir, já começava a
evidenciar-se.
Quanto ao
fator escolaridade, cada vez mais se tornava patente, em qualquer recanto, a
cada ano aumentava o número de educandários, a nível municipal ou até
particular, quando a raras exceções, as crianças a partir de oito anos eram
matriculadas estudando desde a primeira, até a conclusão da quarta série, que
acontecia geralmente depois dos doze anos, quando eram aprovados, ao participarem
de provas em finais de ano.
Uma vez
concluído o curso primário, eram também tidos como aptos a enfrentar nos seus
mais diversos níveis, a vida na roça. Era comum ouvir-se de um pai, ou de uma
mãe assim se expressar: - O meu filho, já completou o curso primário, para se
defender já aprendeu o suficiente, agora sem mais nada ter como obrigação, vai
ter que pegar a enxada e trabalhar ao nosso lado, para aprender como o
alimento, no dia –a –dia, chega a nossa mesa.
Como haviam raríssimos privilegiados, que ao
descender-se de pais em condições financeiros superior, eram estes matriculados
em colégio em regime de internato, até a conclusão do curso ginasial,
deixando-se o curso médio e até superior, para raríssimas exceções.
As famílias
naquela época constituíam-se a partir de dois, até treze em casos especiais
chegando a quatorze ou quinze filhos.
No interior
do estado mais meridional e principalmente nas regiões de colonização, as
propriedades cada vez mais se apequenavam, a população somava-se e até multiplicava-se
em fração de uma década, quando surgia a questão, quem casa quer casa, mas para
quem trabalha na terra, quem casa também quer terra e assim procedia-se, quando
jovens casais decidiam adentrar no processo familiar, cada vez mais
sucessivamente, passavam a depender de uma menor partilha de terras para que
nelas pudessem produzir o suficiente, quando mesmo ao compor um sistema de vida
modesta, viriam inevitavelmente a usufruir as mínimas condições de
sobrevivência.
Planejar o
número de filhos salvo em alguns casos tornava-se impraticável, pois controlar
a natalidade até então, fugia aos conceitos básicos da família e aos princípios
religiosos, se já existiam alguns métodos anticoncepcionais, estes não eram
divulgados.
Quando alguém audaciosamente, tomava a
liberdade de perguntar a um casal de noivos, com relação ao número de filhos,
que ao casar pretenderiam ter, a resposta chegava a ser uma unanimidade ao
partir da moça: - Isto depende de Deus, quantos Ele nos der! Relação sexual
antes do casamento naquele tempo constituía-se como prática a imoralidade, por
considerar-se este ato, violável aos preceitos tanto da ordem familiar, quanto
da própria sociedade. Também a questão da virgindade tornava-se uma afirmação
dos deveres da mulher, quanto à honra e dignidade, pois a moça que não
permanecesse virgem até o momento sagrado do matrimônio, segundo os bons
costumes, não estaria digna de ao receber o sagrado sacramento, vestir-se de
noiva com véu e grinalda.
Quanto ao
homem, seguindo idênticos padrões religiosos, pregava-se o mesmo conceito, mas
raramente obedecendo-se, sendo comum, rapazes a partir de dezoito anos, já
serem vistos freqüentando casas de prostituição.
Naqueles
tempos no extremo sul, a agricultura quase na sua totalidade, ainda voltava-se para
o regime de economia familiar, eram os produtos depois de colhidos,
cuidadosamente secados e armazenados em diferentes tuias, ao ser destinados
para o consumo da família, comercializando-se os excessos, não se relacionando
entre esses, a mandioca, quando se tinha por normas, destinar-se à parte
principal para a indústria de farinha ou de fécula, deixando-se para o consumo
interno, a menor parte.
Esta
agricultura de ordem familiar originava-se de pequenas propriedades e vinham
obrigatoriamente acompanhados de uma mini-pecuária e avicultura, sendo também
os produtos desta origem, na sua parte principal consumidos internamente,
comercializando-se o restante, além de alguns derivados.
Nos finais de
semana, principalmente aos domingos e dias santos, as famílias de agricultores
reuniam-se em comunidades, principalmente em torno das capelas, quando os
jovens, moças e rapazes, participavam ativamente de jogos de prendas e reuniões
dançantes, diversões estas que vinham obrigatoriamente antecipadas, pela oração
do culto ou da santa missa, cerimônias estritamente dirigidas aos membros da
Comunidade Católica, mas que em determinadas capelas, tinha-se como hábito,
receber jovens praticantes de outras tendências religiosas.
No afã de
participar da diversão e lazer, ao compor um só rebanho, irmanavam-se, quando
ao serem convocados adentrar a Igreja, fazia-se pela ordem, obedecendo-se as
seguintes normas: homens, rapazes e meninos, ao ingressar, iam tomando posição
pela ala direita, cabendo às mulheres casadas, moças e meninas ocupar o espaço
na parte lateral esquerda da Igreja. Conta-se que em certa oportunidade,
Laurinho, filho primogênito de D.Tereza, ao se encontrar tremendamente
apaixonado por Luzia, filha de Seu Augusto, cometera o ato de rebeldia ao
tentar acompanhá-la, posicionando-se por entre as mulheres, fato este digno de
registro e considerado de total indisciplina por parte dos fabriqueiros, quando
puxado por uma orelha pelo senhor Genaro, foi o moço orientado a ocupar o lugar
que por direito lhe cabia, situando-se por entre os homens.
Nas mais
diversas regiões agrícolas, as colônias eram formadas a partir das mais
variadas raças e origens de imigrantes, por onde os mais diversos sotaques
fundiam-se, entre eles, germânicos, italianos, poloneses, ucranianos, africanos,
mas englobando-se entre esses, grande número de descendentes portugueses,
espanhóis e alguns de origem nativa, que ao entrosar-se, passavam a adquirir
mais ou menos os mesmos hábitos, ao ser derivados na maioria das vezes de
famílias numerosas, passavam a compartilhar das mesmas teorias e ensinamentos,
obedecendo-se os mesmos conceitos.
Quando os
padres a uma vez por mês deixavam as paróquias, dirigindo-se as capelas para
rezar a santa missa, realizava-se constantemente batizados, e esporadicamente alguns
casamentos, pois estes se obedecendo a um outro conjunto de formalidades, eram
geralmente celebrados na Igreja Paroquial, cerimônias estas, que na maioria das
vezes, contava com um relativo número de convidados, quando processavam o
acompanhamento aos noivos, de ida e volta, transporte este que acontecia,
através de carrocinhas toldadas, diligências charretes e até em carrocerias de
caminhões, quando os noivos faziam jus a estas homenagens, cabia aos pais, como
até os dias de hoje, agraciar aos nubentes, bem como aos convidados, com uma
grande festa de confraternização.
Uma história
pitoresca que despertou grande comoção, que ainda hoje é transmitida de pais
para filhos e de avós para netos, pelo fato de ter acontecido no salão de
bailes do Seu Jerônimo, quando o rapaz de boa índole chamado Valdemar, cometeu
o ato inaceitável e de extrema imoralidade, ao beijar em plena pista de dança,
a sua namoradinha Verônica, sob os olhares incrédulos de dezenas de
participantes.
Na
segunda-feira seguinte, foram Valdemar e Verônica na companhia dos pais e do
comissário, levados até a delegacia de polícia da cidade, quando uma vez o fato
registrado e comprovado, foram encaminhados ao cartório, aonde sem honras e
saudações aconteceu o casamento.
A cada ano
que passava, mesmo ao se adquirirem novas técnicas, as propriedades mais se
fragilizavam, pois sempre ao casar um filho homem, os pais tinham como
obrigação, tirar um pedaço de terra que lhes pertencia, para ajudá-lo a dar o
primeiro impulso. Terra sobrando existia em largas proporções, em qualquer
região, mesmo quando poderiam tornar-se produtivas permaneciam na ociosidade,
ao continuar entregues a grandes proprietários, que exploravam até então,
pequenas partes. Foi em tais circunstâncias, que começou o chamado êxodo rural,
quando jovens provindos das mais diversas regiões agrícolas, impregnados pelo
sonho de uma vida mais digna, ao deixar se elevar pela fantasia de um salário
justo passavam a incorporar as vilas cada vez mais pobres, das pequenas e
grandes cidades.
Foi também
neste período, que alguns conhecedores de caminhos, vaqueanos ou tapejaras,
quando na ânsia de procurar ajudar, começaram a introduzir entre os colonos das
mais diversas zonas produtivas, a concepção de que nas regiões sudoeste e
oeste, entre outras regiões do estado do Paraná, existiam verdadeiros sertões a
serem desbravados, o que seriam de terras extremamente férteis, que uma vez
colonizadas, com toda a certeza tornar-se-iam extraordinariamente produtivas.
Foi nesse espaço de tempo, que principalmente jovens casais de produtores,
agora num processo bem mais acentuado, passaram a vender suas pequenas
propriedades e influenciados pelo desejo de oferecer um futuro mais promissor a
seus filhos.
Neste
decurso, uns deixando a serem elevados pelos outros, aconteceu a debanda de
dezenas de milhares de famílias gaúchas, que davam adeus a seus familiares e
amigos, ao transferirem-se num gesto de profunda grandeza, passavam a habitar
junto a muitos nativos e não menos bravos pioneiros, que paralelos a milhares
de proprietários de serrarias, que efetuavam o corte e beneficiamento da
madeira, já introduziam nessas regiões promissoras, uma agricultura que muito
rapidamente passou a ser modernizada e voltada para um processo de
desenvolvimento extremamente acelerado.
Assim vivendo em outra situação determinante, podiam
os novos habitantes acordar em todas as manhãs, ouvindo o canto sonoro da
gralha azul, a ave símbolo do estado das araucárias.
Por entre os
belos pinherais, formaram-se vilas, que passaram a desenvolver-se num segmento
de extrema rapidez. Figurando por entre esse processo de transição, uma série
de acontecimentos digna de memória decorrente das mais diversas circunstâncias,
algumas que tiveram como causa determinante e até curiosa, foi à história de
Antério, peão de estância, que tomado pela ânsia ao ver a sua prenda partir,
tomou a decisão mais corajosa, soltou seu cavalo num fundo de invernada, ao
colocar seus pertences em uma mala de garupa, pegou carona na carroceria de um
velho caminhão, tomando o rumo do Paraná, onde impulsionado por um duplo
prazer, fez com que deixasse pedaços de sua bombacha, dependurados nos espinho
dos pés de unhas- de- gato, da nova terra, onde ao lado de tantos outros
abnegados agricultores, ajudou a fazer parte deste decurso.
Dentro desta
proporcionalidade, foram muitos os gaúchos e bem aventurados agricultores, que
alcançaram através do suor de seu trabalho, a glorificação de ter participado,
da afirmação agrícola das regiões sudoeste, oeste e até noroeste deste estado,
onde foram tantos os Joãos, as Marias, os Osvaldos, as Letícias, entre milhares
de tantos outros nomes, que ajudaram e que ainda hoje continuam fazendo, com
que índices de produtividades, alcancem níveis jamais atingidos em outras
regiões agrícolas do país.
Hoje aí está a resulta das sementes que foram
semeadas, que geraram frutos, também hoje aí estão, os descendentes desses
agricultores, que num esforço comunitário formaram vilas, por entre estas
terras produtivas e férteis, muitas destas vilas se desenvolveram, tornando-se
grandes cidades, que muito orgulham aos paranaenses, que por demais contribuem,
através do comércio, da indústria, entre outros setores, para o engrandecimento
cada vez maior deste estado.
Neste pouco
mais de meio século, por aí estão, ainda entre alguns deles, filhos, netos e
até bisnetos destes destemidos agricultores, que um dia nesta terra, também
propuseram-se a plantar a fé e a esperança em dias melhores, viajantes que ao
chegar tiveram como porta de acesso, para a grande parte do sudoeste e na
maioria das vezes também para ao oeste, a querida e hospitaleira Clevelândia,
que na condição de uma menina sorridente ao dar boas vindas, acenava a todos
aqueles que por este portal transitaram, e entre todos esses, alguns viajeiros
que também nesta terra erradicaram-se, campeiros, colonos e citadinos que ao
juntar-se aos valorosos nativos e também aos pioneiros destas regiões, a
recomeçar a partir daí bem mais acentuadamente, um intercâmbio cultural, que já
a tempo se desenhava e que agora passara a se definir entre o Rio Grande do Sul
e o Paraná.
Hoje estão aí
na sua absoluta maioria, os descendentes destes sonhadores, são os
agricultores, mas são também os moradores das inúmeras cidades, que compõe
principalmente a região sudoeste e oeste paranaense, que ao unir-se, imbuídos
pelos mesmos princípios e objetivos, continuam a ser também, descendentes dos
velhos chimangos ou maragatos, gremistas ou colorados, viajantes ou oriundos
destes, mas ao tornarem-se conhecedores de caminhos, voltam a transformarem-se
em vaqueanos ou tapejaras e daí a insígnia, que um dia prazerosamente
oferecemos a uma entidade tradicionalista da região, que ao tornar-se notória,
passou a ser adotada como lema:
Se o ideal deles foi descobrir
caminhos, prossigamos nesta caminhada.