terça-feira, 7 de outubro de 2014

Guerreiro e a Menina Mulher



Capitão Bernardo Antonio de Quadros, em um acampamento militar no Paraguai.
(Foto de propriedade de Miguel Arnildo Gomes)



O GUERREIRO  E A MENINA MULHER


         Bernardo Antônio de Quadros segundo tradição familiar era cidadão de temperamento lesto e caráter espartano, e que a própria natureza encarregou-se de ser sua principal escola. Nasceu provavelmente em 1830 em Ponta Grossa, no Paraná. Possuía entre outros, mais dois irmãos homens e uma mulher, que ainda solteiros mudaram-se juntamente com ele para a região do Planalto Médio do Rio Grande do Sul, no longínquo ano de 1856. Isso na mesma época em que Bernardo havia contraído casamento com a menina mulher, Felicidade Maria Xavier, de apenas 15 anos, nascida na comarca de São Luis, Curitiba, filha de Francisco Xavier de Castro nascido na Capela Tamanduá em 01 de julho de 1809, falecido em Passo Fundo RS Fazenda Três Capões em 09 de outubro de 1908 e Anna Joaquina Ferreira, nascida em Castro PR em 1820, falecida em Passo Fundo em 20 de abril de 1871.
Quanto à filiação dos quatro irmãos de Quadros,  sabe-se, entretanto, que Bernardo Antonio de Quadros, Firmiano Pereira de Quadros Pedro Bueno de Quadros e Maria do Rosário de  Quadros, eram filhos de Joaquim Manoel de Quadros e Pulcéhria Borges de Macedo e consequentemente descendentes  em terceiro grau de Antonio de Quadros Bicudo nascido em Itu, SP e Antonia Pereira nascida em Curitiba e casados no ano de 1742 também em Itu. (RODERJAN, 1991). Ambos faleceram em Castro  PR, na Fazenda Carambei.
Sabe-se ainda que os mesmos três  irmãos de Quadros foram casados com parentes muito próximos, ou seja, primos em primeiro grau.
Firmiano Pereira de Quadros casou-se com Galdina Honorata de Quadros, filha de Francisco Leandro de Quadros e Balbina Maria da Trindade. Foram proprietários além de outras áreas, da Fazenda São Miguel (São Bento) e pais de numerosa família.
Pedro Bueno de Quadros casou-se com Ana Maria de Quadros, filha de Bernardo Pereira de Quadros e Ana Claudina Martins. Pedro Bueno e Ana Maria que foram proprietários da Fazenda Invernada do Posto e Vista Alegre. Pedro Bueno de Quadros futuramente alferes e depois capitão Pedro Bueno,  foi herói da guerra do Paraguai. Maria do Rosário de Quadros foi casada com seu primo filho do tio Firmiano Bueno de Quadros.
Bernardo Antonio de  Quadros,  é quem mais nos interessa para este trabalho, que juntamente com Felicidade  Maria Xavier foram  proprietários de vasta gleba de terras, época em que se erradicaram por mais de vinte anos na estância do Bom Sucesso, situada no local conhecido por alguns como Invernada Grande, hoje município de Não- Me-Toque. Esta localidade conhecida também na época como Não-Me-Toque de Seu Possidôneo. Confrontava-se a fazenda ao norte, com terras de seu irmão Firmiano Pereira de Quadros e Galdina Honorata de Quadros; fechando a leste ou nascente, e ao sudeste e sul, através do Rio Colorado ou Puitã. Pelo quadrante oeste ou poente.
 Primeiro pelo Arroio Cotovelo ou Puitãzinho, nome dado pelos antigos proprietários, fazendo confrontações com terras de seu irmão Pedro Bueno Maria de Quadros. Seguindo ainda sentido sul, delimitava-se com terras de Pedro Boeno de Quadros e Ana Maria de Quadros e propriedades de herdeiros do patriarca Rodrigo Felix Martins, mais tarde conhecidas como terras devolutas, depois a unir-se ao Arroio das Almas, já na sua parte sudoeste. Finalmente confrontava-se com a posse de Anna Claudina, hoje posse do Barreiro, que também pertenceu ao distrito de Boa Esperança, atualmente município de Colorado. Ficando esta região entre os dois rios, na extremidade sul da fazenda, conhecida popularmente, por muitos anos, como Ilha das Cobras.
Este local foi onde, no inicio do século XX imigrantes alemães construíram uma importante indústria madeireira, devastando grande parte da imensa mata de araucárias e demais madeiras de lei que cobriam a fazenda na sua extremidade sul. Outra serraria que devastou a madeira da parte central da fazenda, também a partir do inicio do século XX, era uma indústria tocada com máquina a vapor, que pertencia ao Sr. Marcirio Alves Xavier.
A máquina da serraria foi transportada sobre rodas desde a estação férrea de São Bento e puxada por uma enorme fieira de cinco destacadas juntas de bois, por mais de vinte e cinco quilômetros. Primeiro rodando pelo campo, depois sertão adentro onde dezenas de homens abriam picadas a foices e machados e ajudados por outra dezena de peões com resistentes varas para impedir que o estranho carro, sem breques disparasse em declives. Mesmo assim, na famosa descida da limeira, morreram esmagados cerca de uma dezena de animais, que foram substituídos por bois conduzidos de reserva.
Segundo Aparício de Quadros, durante os anos de 1960 ele, juntamente com seu pai Sinhozinho, foram os primeiros a habitar o centro daquele sertão em 1910.  Comentou-se durante muitos anos, que aquela referida máquina foi a primeira a movimentar uma serraria em toda aquela região de Carazinho. A máquina causava muito espanto, principalmente nos animais silvestres que ao ouvirem o apito colocavam-se em desesperadas fugas.
Bernardo Antônio de Quadros construiu a sede da estância do Bom Sucesso no campo, hoje saída para Carazinho e São Bento, à quase dois mil metros da atual Capela de São Miguel do Bom Sucesso.
 Contaram-me ainda que a paranaense e curitibana Felicidade Maria, foi quem deu o nome de Estância do Bom Sucesso. Contando com a aprovação de Bernardo, ela tivera a intenção de homenagear outra invernada do Bom Sucesso, situada no caminho das tropas, em Ponta Grossa na região dos Campos Gerais, local preferido por tropeiros que obrigatoriamente descansavam enquanto recuperavam os animais.
A fazenda do Bom Sucesso abrangia grande parte de campo nativo, onde o Capim Barba de Bode era pastagem predominante e donde se criavam numerosos rebanhos de muares, além de dezenas de animais cavalares com mais de uma centena de bovinos. Ali se aplicava o processo da fabricação do charque caseiro, que misturado à farinha de mandioca e socados em pilões, constituía o alimento básico em todas as residências, ou de carreteiros e tropeiros.
Era essa propriedade, na sua maior parte, composta por extensas matas de arvores nativas, predominando o pinheiro araucária, local que os animais procuravam se refugiar nos matagais de taquaraçú durante rigorosos e longos invernos. Alimentavam-se, de brotos de taquara e principalmente de pinhão, cujos nutrientes são ricos em proteínas e calorias.
Entretanto, permaneciam por este período na sede da fazenda, apenas animais para montaria e algumas vacas de leite, as quais eram encurraladas em mangueiras construídas com varas e lascões onde, alimentadas a base de ração adquiriam peso e se mantinham saudáveis. Quando as geadas deixavam de cair, assim como o vento minuano diminuía de intensidade, era o sinal mais evidente que a estação primaveril  estava chegando. Com ela os mosquitos e principalmente as mutucas ou butucas começavam a inquietar os animais e estes já gordos e sadios subiam para o campo em busca de sal, preparados em volumosos cochos em troncos de cedro.
Mas, quando os campos a partir de agosto, eram queimados em sua quase totalidade, com a brota do Capim Barba de Bode, tornava esta pastagem muito apreciada pelos muares, equinos e bovinos. Então, passavam a lotar o campo na parte mais alta da fazenda e em toda a sua extensão, proporcionando o mais encantador realce da situação de beleza e de riquezas ali existente.
Quanto às tropeadas para São Paulo, ocorriam em maior escala a partir de abril e os meses subsequentes, maio e junho, sujeitos as probabilidades de menores cheias quando normalmente os pequenos rios, os médios cursos e arroios ofereciam vau, facilitando o cruzamento de maneira mais segura e abreviando com isso o longo percurso.
Da estância Bom Sucesso, também partiam numerosos rebanhos de mulas que, unidos a pequenas porções de animais, os quais Bernardo conseguira adquirir de outros fazendeiros, formavam um grande contingente de animais e pessoas.
A viagem chegava a levar mais de sessenta dias, enfrentando algumas cheias de rios, e o perigo de ataque de bugres, onças e animais peçonhentos que surgiam ao longo da trilha. No novo caminho de Palmas no Paraná, os obstáculos eram geralmente vencidos com alguma maestria, até chegar ao ponto final, a monumental feira de Sorocaba, em São Paulo.
No transporte usavam-se peões acostumados a efetuar este trabalho, principalmente a transpor rios, e a fazer rondas e arribadas, o que não era nada menos do que recuperar animais que se evadiam da tropa e embrenhavam-se em lugares de difícil acesso. Isso ocorria principalmente nos então sertões de Santa Catarina e Paraná. Entretanto, quanto ao numero de tropeiros, este variava de acordo com a necessidade e quantidade de animais. Precisava-se em muitas oportunidades, contar com ajuda de amigos e alguns negros disponíveis. Então, era o momento em que se usava um em especial, o qual poderia ser menos experiente, ou ainda maturrango como se dizia na época, e que servia para conduzir a égua madrinha. Ou ainda outro, para cozinhar ou assar e preparar o chimarrão. Este também era usado para escolher o local do acampamento e para comandar a ronda, pessoa de quem já se exigia maior experiência, Seguindo a uma distância considerável na frente, não precisava esperar pela lentidão da tropa.
O tempo do desenvolvimento de uma tropeada, segundo homens que efetuaram essa rota, partindo do planalto médio oscilava em torno de quatro a cinco meses, contando ida e volta. Isso tudo com percurso em andamento, pastorejo, descanso e pequenas pausas para recuperação e finalmente venda de animais.
Mas, quando a comitiva partia das missões e a tropeada perdurava-se algumas vezes por mais de cinco meses, era quando a estância do Bom Sucesso permanecia sob a vigilância de Felicidade Maria, chamada carinhosamente de “patroinha” pelos seus escravos. Estes cavavam valos e erguiam volumosas caiçaras para cercar as roças, ou plantavam e capinavam a erva daninha. No tempo certo, colhiam as roças além de vigiar e dar rodeio aos animais.
Nessa fazenda sempre existiu um artesão negro e de idade avançada,  profissional na arte de trançar rédeas, laços, soiteiras, maneias, cabrestos, cabeçadas de freios e bussais que, com a morte de algum animal sempre lonqueava e então, depois de curar o referido produto, produzia os mais sofisticados trabalhos artesanais. A esse trabalho, dava-se o nome de guasquear e o artesão era conhecido como “guasqueiro” ou trançador.
O tempo de duração aproximado de uma jornada a tranco de cavalo da estância Bom Sucesso a outras circunvizinhas como até a fazenda de Pedro Bueno de  Quadros e Ana Maria de Quadros, era de uma hora e meia; até a fazenda São Miguel de Firmiano Pereira de Quadros e Galdina H. de Quadros, também uma hora e meia; até a fazenda Cruzinha de Bernardo Pereira de Quadros e Ana Claudina M. de Quadros, três horas; E, por último, até a fazenda Rio da Várzea de Balbina Maria da Trindade viúva de Francisco Leandro de Quadros, quatro horas aproximadamente. Caminhos estes que eram efetuados com alguma frequência, por homens montados sobre arreios, em lombos de cavalos ou burros. Para as mulheres mudava-se apenas o tipo de arreamento as quais seguiam em confortáveis selins
Foi neste pequeno espaço de tempo de apenas nove  anos, entre 1856 e 1865, que Bernardo Antônio e Felicidade Maria constituíram sua família.  Berço de valorosa descendência, dos quais vieram ao mundo Maria de Jesus de Quadros nascida provavelmente em dezembro de 1856, Bernardino de Quadros nascido em  24 de maio de 1858, Bernardina Xavier de Quadros, Dinarte Pereira de Quadros e Manoel Francisco Xavier de Quadros nascido em 24 de dezembro de 1863 na Estância de Bom Sucesso.  Além desses,  João Bernardo de Quadros (mestiço) filho apenas de Bernardo Antônio com a negrinha Catita, escrava da senzala e que Felicidade mesmo assim o criou carinhosamente ao lado de seus filhos. Outro, retirado da senzala foi Simplício, negrinho que havia sofrido paralisia infantil.
Com o início da Guerra do Paraguai, Bernardo Antônio de Quadros foi convidado a ingressar na brigada de cavalaria provisória de Passo Fundo. Levando em conta seu currículo escolar e aptidão para comandar, o fazendeiro foi incorporado com  posto de  Capitão do 5° Corpo da Cavalaria Provisória da Guarda Nacional, da comarca de Passo Fundo,  ao lado de seu irmão Pedro Bueno de Quadros. Este ingressou ocupando a graduação de Alferes. Ambos ficaram sob o comando do Coronel Francisco Barros de Miranda.
Nesse tempo, já se encontrava incorporado ao 5° corpo o major Francisco Marques Xavier, conhecido, pela sua baixa estatura, como Chicuta. Ele integrava as forças de campanha, comandando um esquadrão de lanceiros. Quando envolveu-se em um sangrento combate em 25 de junho de 1865 sobre o comando de Francisco Barros de Miranda, contra as forças invasoras paraguaias, comandadas pelo Major José Lopes. O acontecimento ocorreu antes do cerco de Uruguaiana, na sempre lembrada Batalha sobre as barrancas do caudaloso arroio Butuí entre Itaqui e São Borja, na região das missões. 
Na ocasião, perderam a vida mais de 250 paraguaios, ocasião em que o major Chicuta, à frente de um esquadrão de lanceiros, composto principalmente por negros retirados da senzala, se tornou, a exemplo dos lanceiros negros do Coronel Joaquim Teixeira Nunes Garboso da Revolução Farroupilha, como grande terror para o exército inimigo.
Dias depois, Francisco Marques Xavier (Chicuta), enviou correspondência a sua esposa Marcolina Xavier de Quadros, tecendo comentários a respeito da dita Batalha do Butuí. Contou na carta, que ele próprio, para não passar em branco, havia executado a golpes de lança um soldado paraguaio. Dizendo-se não arrependido em momento algum por tal ato.
Segundo texto do renomado escritor e jornalista passofundensse, Paulo Monteiro, Chicuta ainda colocou na referida correspondência que não estava mandando a orelha do inimigo morto por ele, porque faltava no momento sal para conservar o órgão decepado.
Marcolina morava em Rio da Várzea, região de Jaquyzinho, junto com sua mãe Balbina Maria da Trindade de Quadros, que era viúva do finado Francisco Leandro de Quadros, que fora em vida um dos mais poderosos fazendeiros da região do futuro Arraial de Carazinho.
O Major Francisco Marques Xavier (Chicuta) era paranaense de Curitiba e há quase dez anos residia em Passo Fundo. Irmão de Felicidade Maria Xavier de Quadros e consequentemente cunhado do Capitão Bernardo Antônio de Quadros.
Durante o longo cerco de Uruguaiana, invadida por forças comandadas pelo General Antonio de La Cruz Estigarribia, que foi praticado sobre o comando do General Manoel Marques de Souza (Conde de Porto Alegre). Auxiliado por forças argentinas e por um pequeno contingente uruguaio, países que formavam a tríplice aliança contra o exército paraguaio, o capitão Bernardo como conhecedor de trilhas (Vaqueano ou Tapejara), no comando de uma esquadra de cavalarianos serviu de guia, abrindo caminhos para a comitiva do Imperador Dom Pedro II.
Isso aconteceu durante o longo trecho que compreendia de Passo Fundo a Uruguaiana, no extremo sudoeste do Rio Grande do Sul, e só chegando ao referido local em 11 de setembro de 1865.
A façanha do cerco de Uruguaiana contou com a presença do Imperador, o qual assistiu bem de perto o triunfo de nossas forças, em 16 de setembro daquele mesmo ano.
A partir de então Bernardo ao assumir o comando de um esquadrão de cavalaria, jamais foi visto na condição de fazendeiro e proprietário da Estância Bom Sucesso, mas tornou-se apenas conhecido por seus comandantes e subordinados como Capitão Bernardo. Homem de coragem rara e coração generoso colocando-se sempre, nas mais diversas circunstâncias, em favor de seus soldados, pessoas simples e humildes.  Fatos esses que em algumas oportunidades lhe custou elevadas discórdias, junto a superiores ou colegas de mesma patente.
Com o ingresso do exército brasileiro em território argentino, que seguia sempre no encalço das forças de Solano Lopes, os soldados paraguaios debandavam desordenadamente, a fim de se recompor em seu próprio país.
Na província de Corrientes, o Coronel Francisco de Barros Miranda por motivos de saúde, foi forçado a abandonar a tropa, regressando ao Brasil. Assumindo a partir de então o comando do 5° Corpo, o Subcomandante Major Francisco Marques Xavier (Chicuta), posto que ocupou por cinco longos anos. Contava sempre sobre suas ordens, entre outros, o seu amigo e cunhado Capitão Bernardo Antônio de Quadros, que tinha sob seu comando um esquadrão de cavalaria.
As forças de Passo Fundo no início da guerra eram compostas por mais de dois mil homens, comandados pelo General Antônio de Mascarenhas Camello Junior.
Enquanto a guerra se desenvolvia em território paraguaio,  na fazenda Bom Sucesso, pela ausência de seu líder, as coisas não mais aconteciam naturalmente como já fora antes. Os trabalhos na fazenda passaram a fluir lentamente, provavelmente pela ainda falta de experiência de sua administradora, que aos poucos e dentro da lógica de uma boa administração, começou a dominar toda a arte do trabalho do campo.
Felicidade nos primeiros tempos se comunicava com Bernardo, como poetisa o que sempre fora, escrevendo em versos, e assim informando o marido de tudo o que ocorria na Estância e na vida familiar. Contava ela sobre as crianças, meninos e meninas e sobre os negros escravos. Conforme uma correspondência enviada a sua mãe Anna Joaquina  herdada pelo seu filho Sinhozinho e depois repassada à sua neta Ana Maria de Quadros Gomes que ainda em minha infância tive o prazer de ler e da qual cito o parágrafo abaixo:
Vão todos bem os nossos filhinhos, até o Sinhozinho que ainda não caminha, mas já engatinha”.
Manoel Francisco (Sinhozinho) contava ainda com poucos meses de vida,  mas ainda não era batizado, visto que Chicuta, que seria seu padrinho encontrava-se  envolvido em tropeadas no ínicio do ano 1864. Felicidade então tomou a seguinte deliberação: convidou a futura cunhada Marcolina, mas que ainda era solteira, e em selins sobre dois cavalos enfrentaram uma fatigante, mas proveitosa jornada, que teria dupla função: A primeira era batizar o nenê e, após o mesmo receber o sagrado sacramento, levarem o entinho até a casa dos avós, Francisco Xavier de Castro e Ana Joaquina que moravam nas proximidades de Passo Fundo, a fim de ser por eles também abençoado.
O sacramento do santo batismo foi oficializado em uma pequena igreja de São Miguel, onde pela ausência de Chicuta, mas com total concordância do sacerdote, Manoel Francisco (Sinhozinho) se tornou cristão sobre os braços da tia Marcolina, juntamente com outra madrinha que seria provavelmente irmã de Felicidade Maria, que morava nas proximidades de  Passo Fundo. Serviu também de padrinho o próprio São Miguel.
Com o decorrer dos anos, Sinhozinho passou cada vez mais a valorizar tal situação e, entre algumas tropeadas, domas e tranças de laços, seguia o rústico cavaleiro, mas fiel devoto de São Miguel, rumo a Passo Fundo. A primeira e obrigatória visita acontecia na capela onde fora batizado.
Manoel Francisco com o chapéu a mão adentrava em passos lentos pelo pequeno corredor central da referida igrejinha. Após ajoelhar-se e beijar os pés da imagem, com as mãos postas, erguidas para o céu, em sinal do mais profundo respeito, suplicava:
A sua benção meu padrinho São Miguel”.
Mas, com o passar do tempo, Felicidade Maria foi gradativamente perdendo o contato com o marido, chegando a acreditar que Bernardo, teria morrido motivado por alguma doença, ou mesmo o mais provável, tombado em algum campo de batalha.
Filadelfo, negro leal e de inteira confiabilidade de Felicidade Maria, durante uma tarde em que vistoriava o campo e ao beirar pela orla de um capão de mato, enquanto o sol se escondia no horizonte, ouviu primeiro um estalo, depois um assovio que o atemorizou. O crioulo chegou às esporas no seu burro, mas o animal se negou a dar um passo sequer. Por mais que Filadelfo negro ginete e domador experiente insistisse, o animal não obedecia, permanecendo estático e, plantado no local, sem erguer uma só pata. Então, açoitado pelo medo, o escravo apeou e tomando os arreios em seus ombros seguiu em disparada para o galpão.
Naquela mesma noite Filadelfo contou em detalhes para sua “patroinha” Felicidade, tudo o que ocorrera. A mesma, com grande espanto ouviu atentamente a explanação do crioulo. Mais tarde, em sua cozinha, Felicidade Maria chorou muito, chegando a confidenciar para Sinhá Negra, que tudo aquilo poderia ser um aviso dos céus e que Bernardo deveria ter tombado em campos de batalha, durante aquela mesma tarde. Foi então que sentiu a responsabilidade de receber em seus ombros o pesado fardo e a penosa responsabilidade de criar sozinha seus quatro filhos, e mais dois outros adotivos, o mestiço e o negrinho Simplício, este filho apenas de escravos, mas que um dia ela também recebeu como uma dádiva de Deus.
A partir de então, em todos os finais de tarde ou já ao anoitecer, enquanto as meninas mais velhas Maria de Jesus e Bernardina banhavam-se para depois, também banhar em gamelas feitas de cedro seus irmãozinhos mais novos, Dinarte e Manoel Francisco (Sinhozinho), os negros se recolhiam para o galpão, para depois do chimarrão a janta e mais algumas cantigas e rezas e causos de assombrações, procuravam seus catres. Em uma dessas noites, Felicidade tomando então a chaleira, e acendendo seu palheiro ou pito, se postou junto às varas da porteira da mangueira por mais de uma hora, rezando e pedindo a proteção de Deus e de São Miguel.
Entretanto, quando convidada pela experiente escrava Sinhá para que se recolhesse Felicidade respondeu que estava ali para respirar o ar puro, contemplar as estrelas do céu e sentir mais de perto o cheiro dos lírios do campo, ou esperar por Bernardo, enquanto ainda lhe restava um pequeno fio de esperança. Imaginava que ele poderia voltar a qualquer momento. Todavia, dada a insistência de Sinhá, Felicidade finalmente a obedeceu.
No Paraguai Bernardo lutava bravamente, sempre orgulhoso em poder contar em suas fileiras com gente amplamente selecionada pelo major Chicuta e entregando a ele, entre outros, alguns excelentes soldados, filhos de imigrantes alemães, ou vários índios caingangues, que conforme eles mesmos diziam, há algum tempo que não gostavam dos guaranis.
Enquanto isso o capitão Bernardo escapou de morrer milagrosamente em diversas oportunidades, principalmente em Tuiutí ocorrida em 24 de maio de 1866, e depois em 3 de novembro do ano seguinte onde também morreram alguns milhares de soldados da tríplice aliança, Brasil, Argentina e Uruguai e um numero bem maior de soldados que formavam o exercito paraguaio. Foi nessas duas batalhas onde talvez tenha ocorrido o maior massacre de seres humanos em todos os tempos na América do Sul. Entretanto a que mais lhe marcou foi a batalha do arroio Itororó na principal da chamada dezembrada, em 06 de dezembro de 1868, onde tombaram entre brasileiros e paraguaios mais de mil homens. O capitão Bernardo, no comando de seu esquadrão de cavalaria, e graças ao brilho e a coragem de seus soldados, numa louca arrancada conseguiu cruzar uma ponte. Mas, depois da reação do exercito inimigo, pode ainda o capitão brasileiro retroceder, mesmo que de maneira desordenada, percebendo que o inimigo tinha retirado algumas pranchas e abertos enormes brechas, sobre o pontilhão. Bernardo então incitou seu cavalo e com o pensamento voltado para que Nossa  Senhora  Aparecida o salvasse mais uma vez e num esforço sobrecomum, conseguiu cruzar por aquele terrível obstáculo, abaixo de balas e cargas de lança e espadas. Para sua eterna decepção e tristeza viu tombar em sua frente, dezenas de seus soldados e camaradas, motivo pelo qual o guerreiro jamais se perdoou. Culpou-se pela afobação e o grotesco erro cometido no ataque feito sem planejamento.
Contaram-me ainda que o major Francisco Marques Xavier, mais tarde imortalizado como Coronel Chicuta, quando a guerra já havia passado pela sua parte mais crucial, em um momento de grande ousadia e inteligência, conseguiu prender o ultimo e tido como o todo poderoso general paraguaio, Bernardino Caballero de Añasco y Melgarejo e todo seu corpo de oficiais e praças.
Depois do acontecimento enquanto o comandante Chicuta buscava informações, para onde encaminhar o valoroso prisioneiro paraguaio e, na presença de alguns de seus soldados extremamente orgulhosos pelo fato, solicitou ao seu cunhado e subordinado, capitão Bernardo, para que por algum tempo permanecesse com o bravo general sobre sua permanente vigilância. Então, o capitão Bernardo Antônio mais uma vez voltou a dar provas de seu propósito cavalheiresco e nobreza de espírito, acolhendo o general paraguaio como se fosse seu velho e querido amigo e em momento algum procurou ferir sua honra ou dignidade.
Em determinado momento, Bernardo percebeu que o importante prisioneiro mantinha seu olhar voltado para o seu cavalo. O oficial brasileiro dirigindo-se respeitosamente ao célebre general paraguaio, indagou: “O que vossa senhoria esta percebendo de anormal, que olhas tanto para o minha montaria, senhor General?”.
Caballero respondeu então em português: “Acontece que este cochonilhito (coxin) dourado e com fios de retrós, que o senhor leva sobre seus pelegos, já me pertenceu e eu tive o dissabor de tê-lo perdido no combate de Lomas Valentina quando com nossa cavalaria já em fuga, meu cavalo foi atingido mortalmente,”.
Bernardo dirigindo-se a Caballero e emitindo um sorriso franco como era o seu costume, assim falou: “Pois se essa belíssima peça de montaria já lhe pertenceu, saiba então senhor general que em momento algum de minha vida, manchei a honradez de minha própria família, roubando alguma coisa. Acredito que não vai ser também desta vez, que vou levar comigo para o Brasil algum objeto roubado do Paraguai”.
Naquele instante ao frouxar calmamente o cinchão, Bernardo retirou a sofisticada peça de sua montaria, a qual era na realidade um belíssimo produto artesanal e com a mão direita fez a entrega ao intrépido general paraguaio. Para a sua maior surpresa ouviu de Caballero a seguinte ponderação em português: “Quero que este anel de grande valor e que para mim muito representa, passe a ser, a partir de agora, o símbolo de nossa amizade, eterno respeito e ainda também pela imensa gratidão que acabo de ter por todos os meus irmãos brasileiros, muito bem representados por vossa senhoria”. E completou em espanhol:
 “Pido que lleve este anillo y entregue a su señora como una recordacion del Paraguai”.
Bernardo Antônio de Quadros após o final da guerra recebeu em agradecimento por atos de bravura, pelas mãos do próprio Imperador Dom Pedro II, em 16 de novembro de 1870, a promoção a tenente coronel, juntamente com uma belíssima espada banhada a ouro e prata. A mesma condecoração foi concedida a seu cunhado Major Francisco Marques Xavier (Chicuta). Este, anos mais tarde, em 5 de março de 1891, foi promovido ao posto de coronel pelo presidente Marechal Floriano Peixoto.
A mesma promoção de Bernardo foi recebida pelo seu maior amigo o sempre disciplinado passofundensse Manoel do Nascimento Vargas, que havia incorporado em 1865 como cabo. Também nesse mesmo dia, 16 de novembro, o Alferes Pedro Bueno de Quadros foi promovido por atos de bravura ao posto de capitão do 5° Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional, da comarca de Passo Fundo.
Bernardo Antônio de Quadros, dentro de sua modéstia jamais admitiu ser chamado de tenente coronel, preferindo ser tratado apenas de capitão, posto que havia ostentado desde o inicio ate o final da tenebrosa guerra.
Provavelmente, no final do mês de fevereiro de 1871, coincidentemente com o dia do casamento de sua filha, Maria de Jesus, menina de apenas 15 anos incompletos, com Antônio Ribeiro de Santana Vargas (Nico Varga), filho de Possidôneo Ribeiro de Santana Vargas e Placidina da Rocha Vargas. Quando a comemoração estava sendo realizada por  Felicidade  Maria e convidados, a beira de um bosque e à sombra de uma ramada, isto apenas alguns metros da casa e galpão, surgiram à distância dois cavaleiros. A princípio nada de anormal, pois poderia tratar-se de dois convidados atrasados. Entretanto, quando ao cruzarem pela porteira grande, é que foram então reconhecidos, como sendo, Capitão Pedro Bueno de Quadros e Tenente Coronel Bernardo Antônio de Quadros. Este quase irreconhecível, muito mais magro e com a barba imensamente comprida, que boleava a perna em sua estância depois de mais de cinco anos de ausência. Foi primeiramente abraçado por Felicidade Maria e após beijá-la, retirou do bolso de uma jaqueta de couro, um belíssimo anel de ouro com pedras de diamante e mais uma modesta e pequena imagem de Santo Antônio, entregando-a carinhosamente a esposa.
Foi esse o mais emocionante encontro entre um guerreiro e sua família, junto aquele pedaço de chão sagrado da estância do Bom Sucesso, onde nasceram seus filhos, Maria de Jesus agora casada com Nico Vargas. Bernardina que casou tempos depois com Miguel Ribeiro de Santana Vargas, irmão de Nico Vargas. Dinarte Pereira de Quadros que casou alguns anos mais tarde com Amazilia Martins, filha de Elesbão Martins e Ambrosina Vargas Martins. Manoel Francisco (Sinhozinho) ainda criança que anos mais tarde foi casado com sua prima Polsina de Quadros, filha de seu tio Firmiano Pereira de Quadros e Galdina Honorata de Quadros, com quem tivera quatro filhos, entre eles Amália, Aparício e Aladin.
Com a morte de Polsina por volta de 1904, Manoel Francisco (Sinhozinho) voltou a casar em 1906 com Pedrina Vargas Martins, esta filha de Elesbão Martins e Ambrosina Vargas. Contaram-me que a partir da Guerra do Paraguai o capitão Bernardo jamais foi o mesmo homem solidário para com a família, talvez pelo trauma aos horrores e crueldades que vivenciou naquela guerra. Ou talvez pelo coração generoso e a tristeza de ver tombar muitos de seus amigos os quais harmoniosamente ajudou a retirar do convívio de seus familiares, a fim levar consigo, para não mais retornarem. Ou quem sabe por não conseguir assimilar a triste realidade ao ver se extinguir milhares de vidas de jovens paraguaios, a maioria dos quais adolescentes, sem o menor preparo ou mínimas condições, que eram forçados por Solano Lopes a engrossar fileiras morrendo facilmente ou até em duelos apavorantes.
Ainda, segundo um familiar, capitão Bernardo após a guerra, se transformou no maior farrista e extravagante, mesmo voltando a vender a cada tropeada que efetuava centenas de bem valorizadas mulas o que fazia a peso de ouro.  Entretanto há esse tempo já gastava sem piedade grande parte do dinheiro que recebia das vendas, em locais duvidosos como jogos e casas de mulheres.
Então, a pequena mulher na estatura, mas grande na honra e dignidade, Felicidade Maria, morreu subitamente, na ausência do marido antes de completar 40 anos. Seu corpo foi conduzido por filhos, parentes e escravos até primeiro cemitério de Bom Sucesso, nesse tempo quase na entrada do mato, hoje em meio a granjas de soja e milho.
Comentava-se por parte de seus descendentes, que ela havia deixado mais de uma dezena de pequenos potes de barro enterrados em locais diferentes, contendo moedas de ouro, em onças e libras esterlinas, e que havia confidenciado para seu escravo de maior confiança, Filadelfo, Antônio de Quadros, que a auxiliava no referido trabalho, que precisava cada vez mais na medida do possível, enterrar ouro em locais diferentes e pontos estratégicos,  para só desenterrar em momentos oportunos e assim evitar que Bernardo gastasse em bordéis de Sorocaba, o que ainda restava do capital de sua família, o qual poderia no futuro, fazer muita falta a seus filhos e descendentes.
Filadelfo foi, finalmente, liberado por Bernardo da escravidão, sendo ele o único negro a receber terras como prêmio pelos ótimos serviços prestados. Viveu ainda por muitos anos, sempre dando provas de eterna fidelidade à Patroinha, como ele a chamava. Em momento algum, mesmo ao ser severamente interrogado, dentro de sua simplicidade e humildade, jamais revelou os locais mais e pontos estratégicos em que o predestinado ouro foi enterrado.
Logo no inicio da década de 1880, Bernardo ainda angustiado pela morte prematura de sua filha,  Maria de Jesus, durante o ano de 1876, a qual havia deixado cinco filhos órfãos, todos inocentes. Também se julgava culpado pela morte inesperada da rainha de seu lar, a quase incomparável Felicidade Maria, que para seus negros era a “Patroinha”, e que também havia deixado órfão, além de outros, seu filho caçula Manoel Francisco (Sinhozinho) com apenas 13 anos.
Disseram-me que todos os parentes e amigos daqueles tempos comentavam que, magoado e desiludido, por ter sido esquecido pelos próceres do Império e por não ter recebido o reconhecimento que esperava, quando permaneceu por longos e tenebrosos cinco anos, recebendo ordens certas, que em sua mente perturbada lhe pareciam erradas, sendo que em momento algum redundou em cumpri-lás.
Antes, sempre estava disposto a derramar sua ultima gota de sangue pela mãe pátria, e na maioria desse tempo, abriu mão de seu próprio soldo de capitão, para que fosse repassado as famílias pobres de seus soldados, que se encontravam extremamente necessitados e possivelmente famintos.
Capitão Bernardo tomou então a seguinte decisão: primeiro concedeu anistia total, mesmo antes da lei Imperial, a todos os seus escravos; segundo, após dividir a seus filhos, parte da fazenda que lhes coube por herança, vendeu o restante das terras a diversas pessoas incluindo seu irmão Firmiano, por preços irrisórios. Deixou apenas na região baixa e da mata, uma pequena parte a seu filho mais moço, Manoel Francisco (Sinhozinho), que havia retornado de São Paulo onde estudara no regime de internato.
Sinhozinho a partir de então, passou por toda a sua longa vida trabalhando como guasqueiro, trançando primorosos tentos, domando animais xucros em campo aberto e, a exemplo de seu pai, tropeando mulas para Sorocaba.
Em certa madrugada, ainda ao canto do primeiro galo, quando apenas as estrelas do céu iluminavam o cenário, provavelmente no ano de 1881, Bernardo depois de muito pensar,  arriou cuidadosamente seu cavalo, e colocou grande parte de seus pertences, protegidos por resistentes bruacas, em cangalhas sobre o lombo de um burro. Então, sem se despedir dos próprios filhos e amigos,  levando apenas como companheiro seu cão de guarda da raça pastor alemão o qual se chamava Campeiro, tomou a estrada em destino ignorado.
Bom conhecedor de trilhas e estradas da região, disse adeus, talvez sem querer para sempre a sua estância do Bom Sucesso, que um dia construiu com profundo sentimento de dedicação e amor.
Acredita-se que o ex-fazendeiro, além de guerreiro e agora vivendo unicamente a situação de tropeiro, mesmo que fosse a longas e infindáveis tropeadas de sonhos e esperanças, mas sempre determinado a aproveitar a todas as madrugadas possíveis, para dar andamento à caminhada. Descansando nas horas de maior calor, quando aproveitava para lavar o lombo e depois pastorear convenientemente os animais, mantinha-se sempre disposto e em condições de enfrentar os longos percursos que se apresentavam. Sempre ao amanhecer de mais um dia, o sol já encontrava o viajante a mais de duas léguas do local do pernoite, quando bandos de garças e também João Grandes, voavam a regular altura e que se deslocavam geralmente em sentido oposto ao caminhante. Então passava a fantasiar: “Mas que coisa mais linda, quando acredito que não possa haver nada igual a esta província de São Pedro”
Então ainda questionava-se: “Veja quantos pássaros que voam talvez em busca da dita liberdade, quanto a nós foi preciso com a guerra, os nossos irmãos castelhanos nos incentivar, a darmos total liberdade aos nossos sempre leais cativos, mesmo contrariando as leis Imperiais”.
Certo dia o caminhante, durante uma longa sesteada e em total silêncio voltou a se questionar: “Por falar em irmãos, o que será que os meus irmãos, o Firmiano e o Pedro, também os meus filhos, além da própria irmã Maria do Rosário, estão dizendo a meu respeito? Com certeza me chamando de covarde e irresponsável, por não ter aguentado firme os lassaços que o próprio destino me proporcionou, ao ser imensamente cruel comigo”.
Neste momento, ao pressentir que o arroz com charque já se encontrava no ponto exato para ser consumido, Bernardo ao levantar a cabeça, ouviu os latidos de um cão e, então percebeu, ser o seu próprio cachorro campeiro que com seus ganidos havia colocado em fuga um bando de saracuras as quais procuravam com pequenos pios, esconder-se por entre os galhos coloridos das corticeiras que já florescidas, pintavam de vermelho as várzeas da pampa.
O viageiro voltou então a chamar pelo companheiro: “co co co co Campeiro”, momento em que o animal, com a língua de fora se aproximou, e seu dono que calmamente passando a mão sobre sua cabeça ordenou: “Te acalma meu cusco, porque desta vez não será diferente. Sempre 50% para cada um de nós, isto é, metade desta bóia é pra você e a outra metade será minha, porque o teu amigo aqui, também está faminto”.
Ao retomar o caminho, o viajante passou a fazer uma retrospectiva de sua vida, voltando a mais de dez anos, a relembrar seus amigos e fiéis camaradas, que seguiram com ele, mesmo contra suas próprias vontades para o Paraguai, em 1865, quando mais de 50% deles não retornaram. Entre eles, muitos oficiais, inclusive seu principal chefe, comandante da divisão de Cavalaria Independente, o imortal General Antônio de Souza Neto, o proclamador da república riograndensse, na Guerra dos Farrapos.
Foi desta feita, no Paraguai, que o mesmo servindo de vanguarda  sob o comando do próprio General Osório em Tuiutí, o imortal Souza Neto, heroicamente tombou.
Já ao anoitecer, como o sono não chegava, o caminhante apanhou um travesseiro que lavava consigo e, colocando por sobre dois pelegos, um guariba vermelho, outro branco, cobriu-se com a tradicional e resistente capa que servia também de abrigo da chuva e do frio.
 Voltou a conjeturar-se e ao mesmo tempo fazer propósitos, a si mesmo de se estabelecer na fronteira, quando contando com ajuda de amigos, alugar grandes áreas de campo, que poderiam servir para invernar milhares de mulas por ano. Pensava em adquiri-las por valores insignificantes e que seriam contrabandeadas dos paises platinos, mais principalmente da Banda Oriental, visto ser o Uruguai o país que melhor se adequava para este procedimento.
No dia seguinte ainda sobre a luz das estrelas e pirilampos o andante retomava o caminho, voltando a fantasiar: “Prometo a mim mesmo que contando com a ajuda de Deus, serei eu o capitão Bernardo, em um futuro bem próximo, o fazendeiro mais próspero que esta província já conheceu. Com toda a certeza, irei lucrar por temporada muitas bruacas em moedas de ouro, em repasses de mulas que farei aos meus conterrâneos dos campos gerais, bem como aos comerciantes paulistas, que descem anualmente até estas paragens, trazendo em suas bagagens, pesadas arrobas em moedas de ouro”.
Depois de mais uma longa sesteada, o tropeiro recobrou sua trilha voltando a criar fantasias: “Prometo também a todos os meus santos, que cumprido estes meus sonhos, voltarei muito em breve ao Jaquyzinho para de lá trazer comigo a me ajudar nesta nova empreitada, além dos meus dois filhos, Dinarte e Sinhozinho, o João Bernardo (Mestiço), filho que eu tenho com a Catita, mas que mesmo assim a Felicidade Maria carinhosamente um dia o acolheu. Quem sabe também o Simplício, negrinho que adotei, bem como o Filadelfo. Este sim, negro taura como jamais conheci outro”.
Ao pronunciar o nome de sua saudosa Felicidade Maria, o sempre austero, mas agora incompreendido guerreiro, em voz baixa e para si mesmo, balbuciou já em lágrimas: “Será que eu ainda sou ele, o próprio capitão Bernardo, o destemido, o humanitário, o maior amigo dos negros, o defensor dos humildes, que um dia em plena guerra interpelou em altos brados, um todo poderoso General Comandante, que castigava um pobre e humilde soldado? Ou este capitão Bernardo, agora se transformou no maior covarde e fujão, que não suportando mais nem os rebencassos que a própria vida lhe ofereceu, some de repente por caminhos incertos sem ter dado satisfação nem mesmo aos seus próprios filhos?”.
Depois da fuga do capitão Bernardo Antônio de Quadros, passaram-se alguns meses, quando em um determinado dia chegou às mãos de seu filho Dinarte Pereira de Quadros, uma correspondência com tarja preta. Trazia a notícia que o heroico capitão havia falecido, então com aproximadamente 51 anos de idade, nos campos de São Borja,  morando ao lado de uma nova companheira.
A reverente menina mulher Felicidade Maria Xavier de Quadros, que um dia tanto correu atrás da própria felicidade sem poder alcança-lá nesta dimensão, nos dá a total convicção, que depois de tanto procurar, finalmente a encontrou, em um lugar onde não existe ambição, não existem pequenos potes de barro repletos de onças e libras esterlinas. Mas sim, em uma nova invernada, bem mais florida e com muito mais justiça social sobre o campo celeste da paz.
A histórica estância do Bom Sucesso, já apartir da segunda década do século XX, foi vendida por alguns herdeiros e os compradores a dividiram em centenas de pequenos lotes. Os filhos e netos, novos donos das terras, imigrantes italianos e de origem germânica ou descendentes de outras nacionalidades, são os que fazem de Bom Sucesso, local próspero e produtivo da região do planalto médio, principalmente do município de Não Me Toque.
Através deste trabalho, quero parabenizar a consagrada escritora e genealogista mineira, Maria de Fátima Baptista Quadros, autora do livro “QUADROS, SUA ALMA E SUA GENTE NOS CAMINHOS DA HISTÓRIA”, obra prima que veio por demais, engrandecer a nossa já considerável pesquisa literária, pela qual também muito dignifica o valor desta importante genealogia.
Como descreve a dinâmica pesquisadora e escritora, o sobrenome Quadros vem de antiga família Hebréia descendentes da tribo de Judá, já existente na Espanha em 1248 e erradicada no Brasil apartir de 1599. Foi quando veio a povoar a capitania de São Vicente, o fidalgo espanhol de Sevilla, Bernardo de Quadros casado com Cecília Ribeiro Baião, portuguesa nascida em Beja, dos quais se originaram a maioria absoluta da família Quadros ou de Quadros. Estes que há quase dois séculos passaram a residir também na região do planalto médio do Rio Grande do Sul.

São essas histórias, que mamãe contava durante muitos anos, que ouviu também no decorrer de algumas décadas, através de seu pai Manoel Francisco de Quadros (Sinhozinho), filho caçula de Bernardo Antônio de Quadros e Felicidade Maria Xavier.
Reforçaram-me ao longo dos anos, este modesto conjunto de conhecimentos relacionados a transmissão oral, fatos ligados principalmente ao inolvidável Capitão Bernardo.
Aparício de Quadros, neto de Bernardo e Felicidade Maria. Falecido com aproximadamente 90 anos;
Brasileiro Ribeiro de Quadros (Parente), falecido no dia 1º de janeiro de 2013 com 92 anos aproximados;
Osvaldo Ribeiro de Quadros (Sinhô) nascido em 1918, falecido em julho de 2011;
Dinarte Xavier da Cruz, grande pesquisador, um dos mais assíduos leitores que tive a oportunidade de conhecer, falecido com aproximadamente 88 anos em Carazinho;
E por ultimo, Pedro Vargas Martins, que em 1962 vivia com a mais perfeita lucidez, era filho do Major Maragato Elesbão Martins e Ambrozina Vargas.
Elesbão Martins também meu bisavô, foi eleito vereador em Passo Fundo em 1880, como representante do Jaquyzinho.


RODERJAN, Roselys Vellozo. Raízes e Pioneirismo do Planalto Médio. Passo Fundo, Gráfica e Editora Universidade de Passo Fundo, 1991, 182 p.


4 comentários:

  1. Exelente trabalho, descendente “ De Quadros” não sabia nada da história da família , amei. Muito grata a você
    Neila

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  2. Excepcional descrição histórica. Vem exatamente de encontro ao trabalho de resgate dos registros destes pioneiros da região do Alto Jacuí, que estou em fase de pesquisa em túmulos/cemitérios da região.

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