Capitão Bernardo Antonio
de Quadros, em um acampamento militar no Paraguai.
(Foto de propriedade de
Miguel Arnildo Gomes)
O
GUERREIRO E A MENINA MULHER
Bernardo Antônio de Quadros segundo
tradição familiar era cidadão de temperamento lesto e caráter espartano, e que
a própria natureza encarregou-se de ser sua principal escola. Nasceu
provavelmente em 1830 em Ponta Grossa, no Paraná. Possuía entre outros, mais
dois irmãos homens e uma mulher, que ainda solteiros mudaram-se juntamente com
ele para a região do Planalto Médio do Rio Grande do Sul, no longínquo ano de
1856. Isso na mesma época em que Bernardo havia contraído casamento com a
menina mulher, Felicidade Maria Xavier, de apenas 15 anos, nascida na comarca
de São Luis, Curitiba, filha de Francisco Xavier de Castro nascido na Capela
Tamanduá em 01 de julho de 1809, falecido em Passo Fundo RS Fazenda Três Capões
em 09 de outubro de 1908 e Anna Joaquina Ferreira, nascida em Castro PR em
1820, falecida em Passo Fundo em 20 de abril de 1871.
Quanto à filiação dos quatro irmãos de
Quadros, sabe-se, entretanto, que
Bernardo Antonio de Quadros, Firmiano Pereira de Quadros Pedro Bueno de Quadros
e Maria do Rosário de Quadros, eram
filhos de Joaquim Manoel de Quadros e Pulcéhria Borges de Macedo e consequentemente
descendentes em terceiro grau de Antonio
de Quadros Bicudo nascido em Itu, SP e Antonia Pereira nascida em Curitiba e
casados no ano de 1742 também em Itu. (RODERJAN, 1991). Ambos faleceram em Castro PR, na Fazenda Carambei.
Sabe-se ainda que os mesmos três irmãos de Quadros foram casados com parentes
muito próximos, ou seja, primos em primeiro grau.
Firmiano Pereira de Quadros casou-se
com Galdina Honorata de Quadros, filha de Francisco Leandro de Quadros e
Balbina Maria da Trindade. Foram proprietários além de outras áreas, da Fazenda
São Miguel (São Bento) e pais de numerosa família.
Pedro Bueno de Quadros casou-se com
Ana Maria de Quadros, filha de Bernardo Pereira de Quadros e Ana Claudina
Martins. Pedro Bueno e Ana Maria que foram proprietários da Fazenda Invernada
do Posto e Vista Alegre. Pedro Bueno de Quadros futuramente alferes e depois
capitão Pedro Bueno, foi herói da guerra
do Paraguai. Maria do Rosário de Quadros foi casada com seu primo filho do tio
Firmiano Bueno de Quadros.
Bernardo Antonio de Quadros, é quem mais nos interessa para este trabalho,
que juntamente com Felicidade Maria Xavier
foram proprietários de vasta gleba de
terras, época em que se erradicaram por mais de vinte anos na estância do Bom
Sucesso, situada no local conhecido por alguns como Invernada Grande, hoje
município de Não- Me-Toque. Esta localidade conhecida também na época como
Não-Me-Toque de Seu Possidôneo. Confrontava-se a fazenda ao norte, com terras
de seu irmão Firmiano Pereira de Quadros e Galdina Honorata de Quadros; fechando
a leste ou nascente, e ao sudeste e sul, através do Rio Colorado ou Puitã. Pelo
quadrante oeste ou poente.
Primeiro pelo Arroio Cotovelo ou Puitãzinho,
nome dado pelos antigos proprietários, fazendo confrontações com terras de seu
irmão Pedro Bueno Maria de Quadros. Seguindo ainda sentido sul, delimitava-se
com terras de Pedro Boeno de Quadros e Ana Maria de Quadros e propriedades de
herdeiros do patriarca Rodrigo Felix Martins, mais tarde conhecidas como terras
devolutas, depois a unir-se ao Arroio das Almas, já na sua parte sudoeste.
Finalmente confrontava-se com a posse de Anna Claudina, hoje posse do Barreiro,
que também pertenceu ao distrito de Boa Esperança, atualmente município de
Colorado. Ficando esta região entre os dois rios, na extremidade sul da
fazenda, conhecida popularmente, por muitos anos, como Ilha das Cobras.
Este local foi onde, no inicio do
século XX imigrantes alemães construíram uma importante indústria madeireira,
devastando grande parte da imensa mata de araucárias e demais madeiras de lei
que cobriam a fazenda na sua extremidade sul. Outra serraria que devastou a
madeira da parte central da fazenda, também a partir do inicio do século XX,
era uma indústria tocada com máquina a vapor, que pertencia ao Sr. Marcirio
Alves Xavier.
A máquina da serraria foi transportada
sobre rodas desde a estação férrea de São Bento e puxada por uma enorme fieira
de cinco destacadas juntas de bois, por mais de vinte e cinco quilômetros.
Primeiro rodando pelo campo, depois sertão adentro onde dezenas de homens
abriam picadas a foices e machados e ajudados por outra dezena de peões com
resistentes varas para impedir que o estranho carro, sem breques disparasse em
declives. Mesmo assim, na famosa descida da limeira, morreram esmagados cerca
de uma dezena de animais, que foram substituídos por bois conduzidos de
reserva.
Segundo Aparício de Quadros, durante
os anos de 1960 ele, juntamente com seu pai Sinhozinho, foram os primeiros a
habitar o centro daquele sertão em 1910.
Comentou-se durante muitos anos, que aquela referida máquina foi a
primeira a movimentar uma serraria em toda aquela região de Carazinho. A
máquina causava muito espanto, principalmente nos animais silvestres que ao
ouvirem o apito colocavam-se em desesperadas fugas.
Bernardo Antônio de Quadros construiu
a sede da estância do Bom Sucesso no campo, hoje saída para Carazinho e São
Bento, à quase dois mil metros da atual Capela de São Miguel do Bom Sucesso.
Contaram-me ainda que a paranaense e
curitibana Felicidade Maria, foi quem deu o nome de Estância do Bom Sucesso.
Contando com a aprovação de Bernardo, ela tivera a intenção de homenagear outra
invernada do Bom Sucesso, situada no caminho das tropas, em Ponta Grossa na
região dos Campos Gerais, local preferido por tropeiros que obrigatoriamente
descansavam enquanto recuperavam os animais.
A fazenda do Bom Sucesso abrangia
grande parte de campo nativo, onde o Capim Barba de Bode era pastagem
predominante e donde se criavam numerosos rebanhos de muares, além de dezenas
de animais cavalares com mais de uma centena de bovinos. Ali se aplicava o
processo da fabricação do charque caseiro, que misturado à farinha de mandioca
e socados em pilões, constituía o alimento básico em todas as residências, ou
de carreteiros e tropeiros.
Era essa propriedade, na sua maior
parte, composta por extensas matas de arvores nativas, predominando o pinheiro
araucária, local que os animais procuravam se refugiar nos matagais de taquaraçú
durante rigorosos e longos invernos. Alimentavam-se, de brotos de taquara e
principalmente de pinhão, cujos nutrientes são ricos em proteínas e calorias.
Entretanto, permaneciam por este
período na sede da fazenda, apenas animais para montaria e algumas vacas de
leite, as quais eram encurraladas em mangueiras construídas com varas e lascões
onde, alimentadas a base de ração adquiriam peso e se mantinham saudáveis.
Quando as geadas deixavam de cair, assim como o vento minuano diminuía de
intensidade, era o sinal mais evidente que a estação primaveril estava chegando. Com ela os mosquitos e
principalmente as mutucas ou butucas começavam a inquietar os animais e estes
já gordos e sadios subiam para o campo em busca de sal, preparados em volumosos
cochos em troncos de cedro.
Mas, quando os campos a partir de agosto,
eram queimados em sua quase totalidade, com a brota do Capim Barba de Bode,
tornava esta pastagem muito apreciada pelos muares, equinos e bovinos. Então,
passavam a lotar o campo na parte mais alta da fazenda e em toda a sua
extensão, proporcionando o mais encantador realce da situação de beleza e de
riquezas ali existente.
Quanto às tropeadas para São Paulo,
ocorriam em maior escala a partir de abril e os meses subsequentes, maio e
junho, sujeitos as probabilidades de menores cheias quando normalmente os
pequenos rios, os médios cursos e arroios ofereciam vau, facilitando o
cruzamento de maneira mais segura e abreviando com isso o longo percurso.
Da estância Bom Sucesso, também
partiam numerosos rebanhos de mulas que, unidos a pequenas porções de animais,
os quais Bernardo conseguira adquirir de outros fazendeiros, formavam um grande
contingente de animais e pessoas.
A viagem chegava a levar mais de
sessenta dias, enfrentando algumas cheias de rios, e o perigo de ataque de
bugres, onças e animais peçonhentos que surgiam ao longo da trilha. No novo
caminho de Palmas no Paraná, os obstáculos eram geralmente vencidos com alguma
maestria, até chegar ao ponto final, a monumental feira de Sorocaba, em São
Paulo.
No transporte usavam-se peões
acostumados a efetuar este trabalho, principalmente a transpor rios, e a fazer
rondas e arribadas, o que não era nada menos do que recuperar animais que se
evadiam da tropa e embrenhavam-se em lugares de difícil acesso. Isso ocorria
principalmente nos então sertões de Santa Catarina e Paraná. Entretanto, quanto
ao numero de tropeiros, este variava de acordo com a necessidade e quantidade
de animais. Precisava-se em muitas oportunidades, contar com ajuda de amigos e
alguns negros disponíveis. Então, era o momento em que se usava um em especial,
o qual poderia ser menos experiente, ou ainda maturrango como se dizia na
época, e que servia para conduzir a égua madrinha. Ou ainda outro, para
cozinhar ou assar e preparar o chimarrão. Este também era usado para escolher o
local do acampamento e para comandar a ronda, pessoa de quem já se exigia maior
experiência, Seguindo a uma distância considerável na frente, não precisava
esperar pela lentidão da tropa.
O tempo do desenvolvimento de uma
tropeada, segundo homens que efetuaram essa rota, partindo do planalto médio
oscilava em torno de quatro a cinco meses, contando ida e volta. Isso tudo com
percurso em andamento, pastorejo, descanso e pequenas pausas para recuperação e
finalmente venda de animais.
Mas, quando a comitiva partia das
missões e a tropeada perdurava-se algumas vezes por mais de cinco meses, era
quando a estância do Bom Sucesso permanecia sob a vigilância de Felicidade
Maria, chamada carinhosamente de “patroinha” pelos seus escravos. Estes cavavam
valos e erguiam volumosas caiçaras para cercar as roças, ou plantavam e
capinavam a erva daninha. No tempo certo, colhiam as roças além de vigiar e dar
rodeio aos animais.
Nessa fazenda sempre existiu um
artesão negro e de idade avançada, profissional na arte de trançar rédeas, laços,
soiteiras, maneias, cabrestos, cabeçadas de freios e bussais que, com a morte
de algum animal sempre lonqueava e então, depois de curar o referido produto,
produzia os mais sofisticados trabalhos artesanais. A esse trabalho, dava-se o
nome de guasquear e o artesão era conhecido como “guasqueiro” ou trançador.
O tempo de duração aproximado de uma
jornada a tranco de cavalo da estância Bom Sucesso a outras circunvizinhas como
até a fazenda de Pedro Bueno de Quadros
e Ana Maria de Quadros, era de uma hora e meia; até a fazenda São Miguel de
Firmiano Pereira de Quadros e Galdina H. de Quadros, também uma hora e meia;
até a fazenda Cruzinha de Bernardo Pereira de Quadros e Ana Claudina M. de
Quadros, três horas; E, por último, até a fazenda Rio da Várzea de Balbina
Maria da Trindade viúva de Francisco Leandro de Quadros, quatro horas
aproximadamente. Caminhos estes que eram efetuados com alguma frequência, por
homens montados sobre arreios, em lombos de cavalos ou burros. Para as mulheres
mudava-se apenas o tipo de arreamento as quais seguiam em confortáveis selins
Foi neste pequeno espaço de tempo de
apenas nove anos, entre 1856 e 1865, que
Bernardo Antônio e Felicidade Maria constituíram sua família. Berço de valorosa descendência, dos quais
vieram ao mundo Maria de Jesus de Quadros nascida provavelmente em dezembro de
1856, Bernardino de Quadros nascido em
24 de maio de 1858, Bernardina Xavier de Quadros, Dinarte Pereira de
Quadros e Manoel Francisco Xavier de Quadros nascido em 24 de dezembro de 1863
na Estância de Bom Sucesso. Além desses,
João Bernardo de Quadros (mestiço) filho
apenas de Bernardo Antônio com a negrinha Catita, escrava da senzala e que
Felicidade mesmo assim o criou carinhosamente ao lado de seus filhos. Outro,
retirado da senzala foi Simplício, negrinho que havia sofrido paralisia
infantil.
Com o início da Guerra do Paraguai, Bernardo
Antônio de Quadros foi convidado a ingressar na brigada de cavalaria provisória
de Passo Fundo. Levando em conta seu currículo escolar e aptidão para comandar,
o fazendeiro foi incorporado com posto
de Capitão do 5° Corpo da Cavalaria
Provisória da Guarda Nacional, da comarca de Passo Fundo, ao lado de seu irmão Pedro Bueno de Quadros.
Este ingressou ocupando a graduação de Alferes. Ambos ficaram sob o comando do
Coronel Francisco Barros de Miranda.
Nesse tempo, já se encontrava
incorporado ao 5° corpo o major Francisco Marques Xavier, conhecido, pela sua
baixa estatura, como Chicuta. Ele integrava as forças de campanha, comandando
um esquadrão de lanceiros. Quando envolveu-se em um sangrento combate em 25 de
junho de 1865 sobre o comando de Francisco Barros de Miranda, contra as forças
invasoras paraguaias, comandadas pelo Major José Lopes. O acontecimento ocorreu
antes do cerco de Uruguaiana, na sempre lembrada Batalha sobre as barrancas do
caudaloso arroio Butuí entre Itaqui e São Borja, na região das missões.
Na ocasião, perderam a vida mais de
250 paraguaios, ocasião em que o major Chicuta, à frente de um esquadrão de
lanceiros, composto principalmente por negros retirados da senzala, se tornou,
a exemplo dos lanceiros negros do Coronel Joaquim Teixeira Nunes Garboso da
Revolução Farroupilha, como grande terror para o exército inimigo.
Dias depois, Francisco Marques Xavier
(Chicuta), enviou correspondência a sua esposa Marcolina Xavier de Quadros,
tecendo comentários a respeito da dita Batalha do Butuí. Contou na carta, que
ele próprio, para não passar em branco, havia executado a golpes de lança um
soldado paraguaio. Dizendo-se não arrependido em momento algum por tal ato.
Segundo texto do renomado escritor e
jornalista passofundensse, Paulo Monteiro, Chicuta ainda colocou na referida
correspondência que não estava mandando a orelha do inimigo morto por ele,
porque faltava no momento sal para conservar o órgão decepado.
Marcolina morava em Rio da Várzea,
região de Jaquyzinho, junto com sua mãe Balbina Maria da Trindade de Quadros,
que era viúva do finado Francisco Leandro de Quadros, que fora em vida um dos
mais poderosos fazendeiros da região do futuro Arraial de Carazinho.
O Major Francisco Marques Xavier
(Chicuta) era paranaense de Curitiba e há quase dez anos residia em Passo
Fundo. Irmão de Felicidade Maria Xavier de Quadros e consequentemente cunhado
do Capitão Bernardo Antônio de Quadros.
Durante o longo cerco de Uruguaiana, invadida
por forças comandadas pelo General Antonio de La Cruz Estigarribia, que foi
praticado sobre o comando do General Manoel Marques de Souza (Conde de Porto
Alegre). Auxiliado por forças argentinas e por um pequeno contingente uruguaio,
países que formavam a tríplice aliança contra o exército paraguaio, o capitão
Bernardo como conhecedor de trilhas (Vaqueano ou Tapejara), no comando de uma
esquadra de cavalarianos serviu de guia, abrindo caminhos para a comitiva do Imperador
Dom Pedro II.
Isso aconteceu durante o longo trecho
que compreendia de Passo Fundo a Uruguaiana, no extremo sudoeste do Rio Grande
do Sul, e só chegando ao referido local em 11 de setembro de 1865.
A façanha do cerco de Uruguaiana
contou com a presença do Imperador, o qual assistiu bem de perto o triunfo de
nossas forças, em 16 de setembro daquele mesmo ano.
A partir de então Bernardo ao assumir
o comando de um esquadrão de cavalaria, jamais foi visto na condição de
fazendeiro e proprietário da Estância Bom Sucesso, mas tornou-se apenas
conhecido por seus comandantes e subordinados como Capitão Bernardo. Homem de
coragem rara e coração generoso colocando-se sempre, nas mais diversas
circunstâncias, em favor de seus soldados, pessoas simples e humildes. Fatos esses que em algumas oportunidades lhe
custou elevadas discórdias, junto a superiores ou colegas de mesma patente.
Com o ingresso do exército brasileiro
em território argentino, que seguia sempre no encalço das forças de Solano
Lopes, os soldados paraguaios debandavam desordenadamente, a fim de se recompor
em seu próprio país.
Na província de Corrientes, o Coronel
Francisco de Barros Miranda por motivos de saúde, foi forçado a abandonar a
tropa, regressando ao Brasil. Assumindo a partir de então o comando do 5°
Corpo, o Subcomandante Major Francisco Marques Xavier (Chicuta), posto que
ocupou por cinco longos anos. Contava sempre sobre suas ordens, entre outros, o
seu amigo e cunhado Capitão Bernardo Antônio de Quadros, que tinha sob seu
comando um esquadrão de cavalaria.
As forças de Passo Fundo no início da
guerra eram compostas por mais de dois mil homens, comandados pelo General
Antônio de Mascarenhas Camello Junior.
Enquanto a guerra se desenvolvia em
território paraguaio, na fazenda Bom Sucesso,
pela ausência de seu líder, as coisas não mais aconteciam naturalmente como já
fora antes. Os trabalhos na fazenda passaram a fluir lentamente, provavelmente
pela ainda falta de experiência de sua administradora, que aos poucos e dentro
da lógica de uma boa administração, começou a dominar toda a arte do trabalho
do campo.
Felicidade nos primeiros tempos se
comunicava com Bernardo, como poetisa o que sempre fora, escrevendo em versos,
e assim informando o marido de tudo o que ocorria na Estância e na vida
familiar. Contava ela sobre as crianças, meninos e meninas e sobre os negros
escravos. Conforme uma correspondência enviada a sua mãe Anna Joaquina herdada pelo seu filho Sinhozinho e depois
repassada à sua neta Ana Maria de Quadros Gomes que ainda em minha infância
tive o prazer de ler e da qual cito o parágrafo abaixo:
“Vão todos bem os nossos filhinhos, até o
Sinhozinho que ainda não caminha, mas já engatinha”.
Manoel Francisco (Sinhozinho) contava
ainda com poucos meses de vida, mas
ainda não era batizado, visto que Chicuta, que seria seu padrinho
encontrava-se envolvido em tropeadas no
ínicio do ano 1864. Felicidade então tomou a seguinte deliberação: convidou a futura
cunhada Marcolina, mas que ainda era solteira, e em selins sobre dois cavalos
enfrentaram uma fatigante, mas proveitosa jornada, que teria dupla função: A
primeira era batizar o nenê e, após o mesmo receber o sagrado sacramento,
levarem o entinho até a casa dos avós, Francisco Xavier de Castro e Ana
Joaquina que moravam nas proximidades de Passo Fundo, a fim de ser por eles
também abençoado.
O sacramento do santo batismo foi
oficializado em uma pequena igreja de São Miguel, onde pela ausência de
Chicuta, mas com total concordância do sacerdote, Manoel Francisco (Sinhozinho)
se tornou cristão sobre os braços da tia Marcolina, juntamente com outra
madrinha que seria provavelmente irmã de Felicidade Maria, que morava nas
proximidades de Passo Fundo. Serviu
também de padrinho o próprio São Miguel.
Com o decorrer dos anos, Sinhozinho
passou cada vez mais a valorizar tal situação e, entre algumas tropeadas, domas
e tranças de laços, seguia o rústico cavaleiro, mas fiel devoto de São Miguel,
rumo a Passo Fundo. A primeira e obrigatória visita acontecia na capela onde
fora batizado.
Manoel Francisco com o chapéu a mão
adentrava em passos lentos pelo pequeno corredor central da referida igrejinha.
Após ajoelhar-se e beijar os pés da imagem, com as mãos postas, erguidas para o
céu, em sinal do mais profundo respeito, suplicava:
“A
sua benção meu padrinho São Miguel”.
Mas, com o passar do tempo, Felicidade
Maria foi gradativamente perdendo o contato com o marido, chegando a acreditar
que Bernardo, teria morrido motivado por alguma doença, ou mesmo o mais
provável, tombado em algum campo de batalha.
Filadelfo, negro leal e de inteira
confiabilidade de Felicidade Maria, durante uma tarde em que vistoriava o campo
e ao beirar pela orla de um capão de mato, enquanto o sol se escondia no
horizonte, ouviu primeiro um estalo, depois um assovio que o atemorizou. O
crioulo chegou às esporas no seu burro, mas o animal se negou a dar um passo
sequer. Por mais que Filadelfo negro ginete e domador experiente insistisse, o
animal não obedecia, permanecendo estático e, plantado no local, sem erguer uma
só pata. Então, açoitado pelo medo, o escravo apeou e tomando os arreios em
seus ombros seguiu em disparada para o galpão.
Naquela mesma noite Filadelfo contou
em detalhes para sua “patroinha” Felicidade, tudo o que ocorrera. A mesma, com
grande espanto ouviu atentamente a explanação do crioulo. Mais tarde, em sua
cozinha, Felicidade Maria chorou muito, chegando a confidenciar para Sinhá
Negra, que tudo aquilo poderia ser um aviso dos céus e que Bernardo deveria ter
tombado em campos de batalha, durante aquela mesma tarde. Foi então que sentiu
a responsabilidade de receber em seus ombros o pesado fardo e a penosa
responsabilidade de criar sozinha seus quatro filhos, e mais dois outros
adotivos, o mestiço e o negrinho Simplício, este filho apenas de escravos, mas
que um dia ela também recebeu como uma dádiva de Deus.
A partir de então, em todos os finais
de tarde ou já ao anoitecer, enquanto as meninas mais velhas Maria de Jesus e
Bernardina banhavam-se para depois, também banhar em gamelas feitas de cedro
seus irmãozinhos mais novos, Dinarte e Manoel Francisco (Sinhozinho), os negros
se recolhiam para o galpão, para depois do chimarrão a janta e mais algumas
cantigas e rezas e causos de assombrações, procuravam seus catres. Em uma
dessas noites, Felicidade tomando então a chaleira, e acendendo seu palheiro ou
pito, se postou junto às varas da porteira da mangueira por mais de uma hora,
rezando e pedindo a proteção de Deus e de São Miguel.
Entretanto, quando convidada pela
experiente escrava Sinhá para que se recolhesse Felicidade respondeu que estava
ali para respirar o ar puro, contemplar as estrelas do céu e sentir mais de
perto o cheiro dos lírios do campo, ou esperar por Bernardo, enquanto ainda lhe
restava um pequeno fio de esperança. Imaginava que ele poderia voltar a
qualquer momento. Todavia, dada a insistência de Sinhá, Felicidade finalmente a
obedeceu.
No Paraguai Bernardo lutava
bravamente, sempre orgulhoso em poder contar em suas fileiras com gente
amplamente selecionada pelo major Chicuta e entregando a ele, entre outros,
alguns excelentes soldados, filhos de imigrantes alemães, ou vários índios
caingangues, que conforme eles mesmos diziam, há algum tempo que não gostavam
dos guaranis.
Enquanto isso o capitão Bernardo
escapou de morrer milagrosamente em diversas oportunidades, principalmente em
Tuiutí ocorrida em 24 de maio de 1866, e depois em 3 de novembro do ano
seguinte onde também morreram alguns milhares de soldados da tríplice aliança,
Brasil, Argentina e Uruguai e um numero bem maior de soldados que formavam o
exercito paraguaio. Foi nessas duas batalhas onde talvez tenha ocorrido o maior
massacre de seres humanos em todos os tempos na América do Sul. Entretanto a
que mais lhe marcou foi a batalha do arroio Itororó na principal da chamada dezembrada,
em 06 de dezembro de 1868, onde tombaram entre brasileiros e paraguaios mais de
mil homens. O capitão Bernardo, no comando de seu esquadrão de cavalaria, e
graças ao brilho e a coragem de seus soldados, numa louca arrancada conseguiu
cruzar uma ponte. Mas, depois da reação do exercito inimigo, pode ainda o
capitão brasileiro retroceder, mesmo que de maneira desordenada, percebendo que
o inimigo tinha retirado algumas pranchas e abertos enormes brechas, sobre o
pontilhão. Bernardo então incitou seu cavalo e com o pensamento voltado para
que Nossa Senhora Aparecida o salvasse mais uma vez e num
esforço sobrecomum, conseguiu cruzar por aquele terrível obstáculo, abaixo de
balas e cargas de lança e espadas. Para sua eterna decepção e tristeza viu tombar
em sua frente, dezenas de seus soldados e camaradas, motivo pelo qual o
guerreiro jamais se perdoou. Culpou-se pela afobação e o grotesco erro cometido
no ataque feito sem planejamento.
Contaram-me ainda que o major
Francisco Marques Xavier, mais tarde imortalizado como Coronel Chicuta, quando
a guerra já havia passado pela sua parte mais crucial, em um momento de grande
ousadia e inteligência, conseguiu prender o ultimo e tido como o todo poderoso
general paraguaio, Bernardino Caballero de Añasco y Melgarejo e todo seu corpo
de oficiais e praças.
Depois do acontecimento enquanto o
comandante Chicuta buscava informações, para onde encaminhar o valoroso
prisioneiro paraguaio e, na presença de alguns de seus soldados extremamente
orgulhosos pelo fato, solicitou ao seu cunhado e subordinado, capitão Bernardo,
para que por algum tempo permanecesse com o bravo general sobre sua permanente
vigilância. Então, o capitão Bernardo Antônio mais uma vez voltou a dar provas
de seu propósito cavalheiresco e nobreza de espírito, acolhendo o general
paraguaio como se fosse seu velho e querido amigo e em momento algum procurou
ferir sua honra ou dignidade.
Em determinado momento, Bernardo
percebeu que o importante prisioneiro mantinha seu olhar voltado para o seu
cavalo. O oficial brasileiro dirigindo-se respeitosamente ao célebre general
paraguaio, indagou: “O que vossa senhoria
esta percebendo de anormal, que olhas tanto para o minha montaria, senhor
General?”.
Caballero
respondeu então em português: “Acontece
que este cochonilhito (coxin) dourado e com fios de retrós, que o senhor leva
sobre seus pelegos, já me pertenceu e eu tive o dissabor de tê-lo perdido no
combate de Lomas Valentina quando com nossa cavalaria já em fuga, meu cavalo
foi atingido mortalmente,”.
Bernardo dirigindo-se a Caballero e
emitindo um sorriso franco como era o seu costume, assim falou: “Pois se essa belíssima peça de montaria já
lhe pertenceu, saiba então senhor general que em momento algum de minha vida,
manchei a honradez de minha própria família, roubando alguma coisa. Acredito
que não vai ser também desta vez, que vou levar comigo para o Brasil algum
objeto roubado do Paraguai”.
Naquele
instante ao frouxar calmamente o cinchão, Bernardo retirou a sofisticada peça
de sua montaria, a qual era na realidade um belíssimo produto artesanal e com a
mão direita fez a entrega ao intrépido general paraguaio. Para a sua maior
surpresa ouviu de Caballero a seguinte ponderação em português: “Quero que este anel de grande valor e que
para mim muito representa, passe a ser, a partir de agora, o símbolo de nossa
amizade, eterno respeito e ainda também pela imensa gratidão que acabo de ter
por todos os meus irmãos brasileiros, muito bem representados por vossa
senhoria”. E completou em espanhol:
“Pido
que lleve este anillo y entregue a su señora como una recordacion del
Paraguai”.
Bernardo Antônio de Quadros após o
final da guerra recebeu em agradecimento por atos de bravura, pelas mãos do
próprio Imperador Dom Pedro II, em 16 de novembro de 1870, a promoção a tenente
coronel, juntamente com uma belíssima espada banhada a ouro e prata. A mesma
condecoração foi concedida a seu cunhado Major Francisco Marques Xavier
(Chicuta). Este, anos mais tarde, em 5 de março de 1891, foi promovido ao posto
de coronel pelo presidente Marechal Floriano Peixoto.
A mesma promoção de Bernardo foi
recebida pelo seu maior amigo o sempre disciplinado passofundensse Manoel do
Nascimento Vargas, que havia incorporado em 1865 como cabo. Também nesse mesmo
dia, 16 de novembro, o Alferes Pedro Bueno de Quadros foi promovido por atos de
bravura ao posto de capitão do 5° Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional, da
comarca de Passo Fundo.
Bernardo Antônio de Quadros, dentro de
sua modéstia jamais admitiu ser chamado de tenente coronel, preferindo ser
tratado apenas de capitão, posto que havia ostentado desde o inicio ate o final
da tenebrosa guerra.
Provavelmente, no final do mês de
fevereiro de 1871, coincidentemente com o dia do casamento de sua filha, Maria
de Jesus, menina de apenas 15 anos incompletos, com Antônio Ribeiro de Santana
Vargas (Nico Varga), filho de Possidôneo Ribeiro de Santana Vargas e Placidina
da Rocha Vargas. Quando a comemoração estava sendo realizada por Felicidade Maria e convidados, a beira de um bosque e à
sombra de uma ramada, isto apenas alguns metros da casa e galpão, surgiram à
distância dois cavaleiros. A princípio nada de anormal, pois poderia tratar-se
de dois convidados atrasados. Entretanto, quando ao cruzarem pela porteira
grande, é que foram então reconhecidos, como sendo, Capitão Pedro Bueno de
Quadros e Tenente Coronel Bernardo Antônio de Quadros. Este quase
irreconhecível, muito mais magro e com a barba imensamente comprida, que
boleava a perna em sua estância depois de mais de cinco anos de ausência. Foi
primeiramente abraçado por Felicidade Maria e após beijá-la, retirou do bolso
de uma jaqueta de couro, um belíssimo anel de ouro com pedras de diamante e
mais uma modesta e pequena imagem de Santo Antônio, entregando-a carinhosamente
a esposa.
Foi esse o mais emocionante encontro
entre um guerreiro e sua família, junto aquele pedaço de chão sagrado da
estância do Bom Sucesso, onde nasceram seus filhos, Maria de Jesus agora casada
com Nico Vargas. Bernardina que casou tempos depois com Miguel Ribeiro de Santana
Vargas, irmão de Nico Vargas. Dinarte Pereira de Quadros que casou alguns anos
mais tarde com Amazilia Martins, filha de Elesbão Martins e Ambrosina Vargas
Martins. Manoel Francisco (Sinhozinho) ainda criança que anos mais tarde foi
casado com sua prima Polsina de Quadros, filha de seu tio Firmiano Pereira de
Quadros e Galdina Honorata de Quadros, com quem tivera quatro filhos, entre
eles Amália, Aparício e Aladin.
Com a morte de Polsina por volta de
1904, Manoel Francisco (Sinhozinho) voltou a casar em 1906 com Pedrina Vargas
Martins, esta filha de Elesbão Martins e Ambrosina Vargas. Contaram-me que a
partir da Guerra do Paraguai o capitão Bernardo jamais foi o mesmo homem
solidário para com a família, talvez pelo trauma aos horrores e crueldades que
vivenciou naquela guerra. Ou talvez pelo coração generoso e a tristeza de ver
tombar muitos de seus amigos os quais harmoniosamente ajudou a retirar do
convívio de seus familiares, a fim levar consigo, para não mais retornarem. Ou
quem sabe por não conseguir assimilar a triste realidade ao ver se extinguir
milhares de vidas de jovens paraguaios, a maioria dos quais adolescentes, sem o
menor preparo ou mínimas condições, que eram forçados por Solano Lopes a
engrossar fileiras morrendo facilmente ou até em duelos apavorantes.
Ainda, segundo um familiar, capitão
Bernardo após a guerra, se transformou no maior farrista e extravagante, mesmo
voltando a vender a cada tropeada que efetuava centenas de bem valorizadas
mulas o que fazia a peso de ouro.
Entretanto há esse tempo já gastava sem piedade grande parte do dinheiro
que recebia das vendas, em locais duvidosos como jogos e casas de mulheres.
Então, a pequena mulher na estatura,
mas grande na honra e dignidade, Felicidade Maria, morreu subitamente, na
ausência do marido antes de completar 40 anos. Seu corpo foi conduzido por
filhos, parentes e escravos até primeiro cemitério de Bom Sucesso, nesse tempo
quase na entrada do mato, hoje em meio a granjas de soja e milho.
Comentava-se por parte de seus
descendentes, que ela havia deixado mais de uma dezena de pequenos potes de
barro enterrados em locais diferentes, contendo moedas de ouro, em onças e
libras esterlinas, e que havia confidenciado para seu escravo de maior
confiança, Filadelfo, Antônio de Quadros, que a auxiliava no referido trabalho,
que precisava cada vez mais na medida do possível, enterrar ouro em locais
diferentes e pontos estratégicos, para
só desenterrar em momentos oportunos e assim evitar que Bernardo gastasse em
bordéis de Sorocaba, o que ainda restava do capital de sua família, o qual
poderia no futuro, fazer muita falta a seus filhos e descendentes.
Filadelfo foi, finalmente, liberado
por Bernardo da escravidão, sendo ele o único negro a receber terras como
prêmio pelos ótimos serviços prestados. Viveu ainda por muitos anos, sempre
dando provas de eterna fidelidade à Patroinha, como ele a chamava. Em momento
algum, mesmo ao ser severamente interrogado, dentro de sua simplicidade e
humildade, jamais revelou os locais mais e pontos estratégicos em que o
predestinado ouro foi enterrado.
Logo no inicio da década de 1880,
Bernardo ainda angustiado pela morte prematura de sua filha, Maria de Jesus, durante o ano de 1876, a qual
havia deixado cinco filhos órfãos, todos inocentes. Também se julgava culpado
pela morte inesperada da rainha de seu lar, a quase incomparável Felicidade
Maria, que para seus negros era a “Patroinha”, e que também havia deixado
órfão, além de outros, seu filho caçula Manoel Francisco (Sinhozinho) com
apenas 13 anos.
Disseram-me que todos os parentes e
amigos daqueles tempos comentavam que, magoado e desiludido, por ter sido
esquecido pelos próceres do Império e por não ter recebido o reconhecimento que
esperava, quando permaneceu por longos e tenebrosos cinco anos, recebendo ordens
certas, que em sua mente perturbada lhe pareciam erradas, sendo que em momento
algum redundou em cumpri-lás.
Antes, sempre estava disposto a
derramar sua ultima gota de sangue pela mãe pátria, e na maioria desse tempo,
abriu mão de seu próprio soldo de capitão, para que fosse repassado as famílias
pobres de seus soldados, que se encontravam extremamente necessitados e
possivelmente famintos.
Capitão Bernardo tomou então a
seguinte decisão: primeiro concedeu anistia total, mesmo antes da lei Imperial,
a todos os seus escravos; segundo, após dividir a seus filhos, parte da fazenda
que lhes coube por herança, vendeu o restante das terras a diversas pessoas
incluindo seu irmão Firmiano, por preços irrisórios. Deixou apenas na região
baixa e da mata, uma pequena parte a seu filho mais moço, Manoel Francisco
(Sinhozinho), que havia retornado de São Paulo onde estudara no regime de
internato.
Sinhozinho a partir de então, passou
por toda a sua longa vida trabalhando como guasqueiro, trançando primorosos tentos,
domando animais xucros em campo aberto e, a exemplo de seu pai, tropeando mulas
para Sorocaba.
Em certa madrugada, ainda ao canto do
primeiro galo, quando apenas as estrelas do céu iluminavam o cenário,
provavelmente no ano de 1881, Bernardo depois de muito pensar, arriou cuidadosamente seu cavalo, e colocou
grande parte de seus pertences, protegidos por resistentes bruacas, em
cangalhas sobre o lombo de um burro. Então, sem se despedir dos próprios filhos
e amigos, levando apenas como
companheiro seu cão de guarda da raça pastor alemão o qual se chamava Campeiro,
tomou a estrada em destino ignorado.
Bom conhecedor de trilhas e estradas
da região, disse adeus, talvez sem querer para sempre a sua estância do Bom
Sucesso, que um dia construiu com profundo sentimento de dedicação e amor.
Acredita-se que o ex-fazendeiro, além
de guerreiro e agora vivendo unicamente a situação de tropeiro, mesmo que fosse
a longas e infindáveis tropeadas de sonhos e esperanças, mas sempre determinado
a aproveitar a todas as madrugadas possíveis, para dar andamento à caminhada.
Descansando nas horas de maior calor, quando aproveitava para lavar o lombo e
depois pastorear convenientemente os animais, mantinha-se sempre disposto e em
condições de enfrentar os longos percursos que se apresentavam. Sempre ao
amanhecer de mais um dia, o sol já encontrava o viajante a mais de duas léguas
do local do pernoite, quando bandos de garças e também João Grandes, voavam a
regular altura e que se deslocavam geralmente em sentido oposto ao caminhante.
Então passava a fantasiar: “Mas que coisa
mais linda, quando acredito que não possa haver nada igual a esta província de
São Pedro”
Então ainda questionava-se: “Veja quantos pássaros que voam talvez em
busca da dita liberdade, quanto a nós foi preciso com a guerra, os nossos
irmãos castelhanos nos incentivar, a darmos total liberdade aos nossos sempre
leais cativos, mesmo contrariando as leis Imperiais”.
Certo dia o caminhante, durante uma
longa sesteada e em total silêncio voltou a se questionar: “Por falar em irmãos, o que será que os meus irmãos, o Firmiano e o
Pedro, também os meus filhos, além da própria irmã Maria do Rosário, estão
dizendo a meu respeito? Com certeza me chamando de covarde e irresponsável, por
não ter aguentado firme os lassaços que o próprio destino me proporcionou, ao
ser imensamente cruel comigo”.
Neste momento, ao pressentir que o
arroz com charque já se encontrava no ponto exato para ser consumido, Bernardo
ao levantar a cabeça, ouviu os latidos de um cão e, então percebeu, ser o seu
próprio cachorro campeiro que com seus ganidos havia colocado em fuga um bando
de saracuras as quais procuravam com pequenos pios, esconder-se por entre os
galhos coloridos das corticeiras que já florescidas, pintavam de vermelho as
várzeas da pampa.
O viageiro voltou então a chamar pelo
companheiro: “co co co co Campeiro”,
momento em que o animal, com a língua de fora se aproximou, e seu dono que
calmamente passando a mão sobre sua cabeça ordenou: “Te acalma meu cusco, porque desta vez não será diferente. Sempre 50%
para cada um de nós, isto é, metade desta bóia é pra você e a outra metade será
minha, porque o teu amigo aqui, também está faminto”.
Ao retomar o caminho, o viajante
passou a fazer uma retrospectiva de sua vida, voltando a mais de dez anos, a
relembrar seus amigos e fiéis camaradas, que seguiram com ele, mesmo contra
suas próprias vontades para o Paraguai, em 1865, quando mais de 50% deles não
retornaram. Entre eles, muitos oficiais, inclusive seu principal chefe,
comandante da divisão de Cavalaria Independente, o imortal General Antônio de
Souza Neto, o proclamador da república riograndensse, na Guerra dos Farrapos.
Foi desta feita, no Paraguai, que o
mesmo servindo de vanguarda sob o
comando do próprio General Osório em Tuiutí, o imortal Souza Neto, heroicamente
tombou.
Já ao anoitecer, como o sono não
chegava, o caminhante apanhou um travesseiro que lavava consigo e, colocando
por sobre dois pelegos, um guariba vermelho, outro branco, cobriu-se com a
tradicional e resistente capa que servia também de abrigo da chuva e do frio.
Voltou a conjeturar-se e ao mesmo tempo fazer
propósitos, a si mesmo de se estabelecer na fronteira, quando contando com
ajuda de amigos, alugar grandes áreas de campo, que poderiam servir para invernar
milhares de mulas por ano. Pensava em adquiri-las por valores insignificantes e
que seriam contrabandeadas dos paises platinos, mais principalmente da Banda
Oriental, visto ser o Uruguai o país que melhor se adequava para este
procedimento.
No dia seguinte ainda sobre a luz das
estrelas e pirilampos o andante retomava o caminho, voltando a fantasiar: “Prometo a mim mesmo que contando com a
ajuda de Deus, serei eu o capitão Bernardo, em um futuro bem próximo, o
fazendeiro mais próspero que esta província já conheceu. Com toda a certeza,
irei lucrar por temporada muitas bruacas em moedas de ouro, em repasses de
mulas que farei aos meus conterrâneos dos campos gerais, bem como aos
comerciantes paulistas, que descem anualmente até estas paragens, trazendo em
suas bagagens, pesadas arrobas em moedas de ouro”.
Depois de mais uma longa sesteada, o
tropeiro recobrou sua trilha voltando a criar fantasias: “Prometo também a todos os meus santos, que cumprido estes meus sonhos,
voltarei muito em breve ao Jaquyzinho para de lá trazer comigo a me ajudar
nesta nova empreitada, além dos meus dois filhos, Dinarte e Sinhozinho, o João
Bernardo (Mestiço), filho que eu tenho com a Catita, mas que mesmo assim a
Felicidade Maria carinhosamente um dia o acolheu. Quem sabe também o Simplício,
negrinho que adotei, bem como o Filadelfo. Este sim, negro taura como jamais
conheci outro”.
Ao pronunciar o nome de sua saudosa
Felicidade Maria, o sempre austero, mas agora incompreendido guerreiro, em voz
baixa e para si mesmo, balbuciou já em lágrimas: “Será que eu ainda sou ele, o próprio capitão Bernardo, o destemido, o
humanitário, o maior amigo dos negros, o defensor dos humildes, que um dia em
plena guerra interpelou em altos brados, um todo poderoso General Comandante,
que castigava um pobre e humilde soldado? Ou este capitão Bernardo, agora se
transformou no maior covarde e fujão, que não suportando mais nem os
rebencassos que a própria vida lhe ofereceu, some de repente por caminhos
incertos sem ter dado satisfação nem mesmo aos seus próprios filhos?”.
Depois da fuga do capitão Bernardo
Antônio de Quadros, passaram-se alguns meses, quando em um determinado dia
chegou às mãos de seu filho Dinarte Pereira de Quadros, uma correspondência com
tarja preta. Trazia a notícia que o heroico capitão havia falecido, então com
aproximadamente 51 anos de idade, nos campos de São Borja, morando ao lado de uma nova companheira.
A reverente menina mulher Felicidade
Maria Xavier de Quadros, que um dia tanto correu atrás da própria felicidade
sem poder alcança-lá nesta dimensão, nos dá a total convicção, que depois de
tanto procurar, finalmente a encontrou, em um lugar onde não existe ambição,
não existem pequenos potes de barro repletos de onças e libras esterlinas. Mas
sim, em uma nova invernada, bem mais florida e com muito mais justiça social
sobre o campo celeste da paz.
A histórica estância do Bom Sucesso,
já apartir da segunda década do século XX, foi vendida por alguns herdeiros e
os compradores a dividiram em centenas de pequenos lotes. Os filhos e netos,
novos donos das terras, imigrantes italianos e de origem germânica ou
descendentes de outras nacionalidades, são os que fazem de Bom Sucesso, local
próspero e produtivo da região do planalto médio, principalmente do município
de Não Me Toque.
Através deste trabalho, quero
parabenizar a consagrada escritora e genealogista mineira, Maria de Fátima
Baptista Quadros, autora do livro “QUADROS, SUA ALMA E SUA GENTE NOS CAMINHOS
DA HISTÓRIA”, obra prima que veio por demais, engrandecer a nossa já considerável
pesquisa literária, pela qual também muito dignifica o valor desta importante
genealogia.
Como descreve a dinâmica pesquisadora
e escritora, o sobrenome Quadros vem de antiga família Hebréia descendentes da
tribo de Judá, já existente na Espanha em 1248 e erradicada no Brasil apartir
de 1599. Foi quando veio a povoar a capitania de São Vicente, o fidalgo
espanhol de Sevilla, Bernardo de Quadros casado com Cecília Ribeiro Baião,
portuguesa nascida em Beja, dos quais se originaram a maioria absoluta da
família Quadros ou de Quadros. Estes que há quase dois séculos passaram a
residir também na região do planalto médio do Rio Grande do Sul.
São
essas histórias, que mamãe contava durante muitos anos, que ouviu também no
decorrer de algumas décadas, através de seu pai Manoel Francisco de Quadros
(Sinhozinho), filho caçula de Bernardo Antônio de Quadros e Felicidade Maria
Xavier.
Reforçaram-me ao longo dos anos, este
modesto conjunto de conhecimentos relacionados a transmissão oral, fatos
ligados principalmente ao inolvidável Capitão Bernardo.
Aparício
de Quadros, neto de Bernardo e Felicidade Maria. Falecido com aproximadamente
90 anos;
Brasileiro
Ribeiro de Quadros (Parente), falecido no dia 1º de janeiro de 2013 com 92 anos
aproximados;
Osvaldo
Ribeiro de Quadros (Sinhô) nascido em 1918, falecido em julho de 2011;
Dinarte
Xavier da Cruz, grande pesquisador, um dos mais assíduos leitores que tive a
oportunidade de conhecer, falecido com aproximadamente 88 anos em Carazinho;
E
por ultimo, Pedro Vargas Martins, que em 1962 vivia com a mais perfeita
lucidez, era filho do Major Maragato Elesbão Martins e Ambrozina Vargas.
Elesbão
Martins também meu bisavô, foi eleito vereador em Passo Fundo em 1880, como
representante do Jaquyzinho.
RODERJAN,
Roselys Vellozo. Raízes e Pioneirismo do Planalto Médio. Passo Fundo, Gráfica e Editora
Universidade de Passo Fundo, 1991, 182 p.
Parabéns, excelente trabalho!!!!!
ResponderExcluirExelente trabalho, descendente “ De Quadros” não sabia nada da história da família , amei. Muito grata a você
ResponderExcluirNeila
Fátima Neila Moreira De Quadros
ResponderExcluirExcepcional descrição histórica. Vem exatamente de encontro ao trabalho de resgate dos registros destes pioneiros da região do Alto Jacuí, que estou em fase de pesquisa em túmulos/cemitérios da região.
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